Poema da água corrente
Chuá, chuá, chuá, chuá...
Lá se vai a água descendo a montanha
À procura de um não sei o quê
E eu cá em mim procuro outros eus
Que sejam menos melancólicos
Não sei mais nada de mim, acho que nunca soube nada
Tenho mil planos guardados nas gavetas
E faz anos que não abro as cortinas da casa
Há uma fonte na minha rua onde as crianças brincam
E posso ouvir a gritaria delas
Temo esquecer as xícaras em cima da mesa
O café acabou ontem à tarde
Deito-me inquieta pensando no dizer do céu
Que conta-me histórias sagradas de anjos e querubins
Cantam as estrelas cadentes atrás das árvores
Onde o sol dorme esta noite?
Tenho curiosidades de instantes que se vão antes de ser-me
Estou pronta para o acaso e dispo-me das inquietudes
Melhor dormir... é madrugada de Natal
Chuá, chuá, chuá, chuá...
Correm as águas para dentro de mim
Buscam guizos entre desilusões e dores
Sou uma casinha de botão sem dono.
Rosângela Trajano