Fleuma

Entre tijolos viu-se trancada

Como toda e outra pessoa a agonizar ao transcorrer do dia

Cada parte de si tornou-se criatura independente -

a mão, estrela marinha agarrada à pelúcia da cama, como se fossem as águas translúcidas dos corais

Os dedos dos pés, bastonetes esquivos, colônia esmagada à pressão das águas

Engolia e cuspia o ar como o sal do Atlântico

A encosta não lhe era morada; pertencia às profundezas

Ao negro veludo dos lares abissais

A carne nua, a transpassar as densas moléculas d'água viva

Cabelos, tentáculos sensitivos, espasmos dolorosos

Separada de seus semelhantes, peixes mórbidos, luzes fátuas

Solitários por força da vontade, necessidade visceral

Cegos de querer, inaptos à terra

Até que o seco e o concreto tornaram-se um sonho alheio, distante

O que corria nas veias nada mais era que o sabor marinho das correntes

O frescor de saber-se mole e dócil às exigências do abismo

Sua nudez era todo o oceano, a carne vibrava a candura das placas tectônicas

Os tímpanos estourados, esmagados à inexistência

Eram a indescritível alegria de não ouvir o mundo que não se fazia ouvir

Entregue ao ressoar longínquo daqueles irmãos que alçaram os braços à superfície

E que sacrificaram o profundo amor do líquido amniótico do planeta

Para a aridez apática que revela estrelas

Despertou em si, o teto úmido, ou seriam os olhos

A constatarem o cordão umbilical partido

De milhões de anos, ascendência dorida

E praguejou contra tudo que um dia já fora

A decisão profana e cruenta

Que do seio da mãe que abrangia todo o universo

Levou-a àquele quarto de isolamento fleumático

E à desgraçada consciência humana.

Zéfiro Alves
Enviado por Zéfiro Alves em 05/10/2019
Código do texto: T6762151
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