Jasmim Azul
Fantasio-me-algo.
Meu canto são contos que reconto.
E para dormir conto diálogos pulando Deus.
Chego a pensar até que sou mais estória que Eu.
Queria mesmo ser sem narrar,
E mais ainda, deixar de narrar Ser.
Um livro ilegível segue sendo livro, afinal.
Essência não pode resumir-se ao ler.
Maldito outro que me força a dar forma
A coisa que nem se fez ideia ainda.
Conjugo-me em tempos que não habito,
Adjetivo-me sempre de forma finda.
E como toda Estória tem começo, meio e fim,
E coesão é fundamental aos leitores,
Torno-me segundo ato de peça mal traduzida do ‘mim’,
Memorizo-me em falas e nomeio minhas cores.
Que justifica, pois, a hierarquia da realidade sobre a fantasia?
Que direito tem a vida de me escrever?
Por quê a língua dela é superior à minha?
Seria Eu se não pudesse contar-me-ser?
Atlas do ego, a palavra, sustenta o existir.
Sem ela [ . ]
E se Héracles que é semideus devolveu assim que pôde ao Titã tal fardo,
Posso eu, mortal, carregar o peso de ser sem algo.
Sei que sigo sendo narrativas,
Inconscientemente sublimando torpor.
Quiçá se um dia aprendo a ler minha língua,
Traduzo-me enfim em texto melhor.