UM SALTO NO ESCURO
(Os mortos que sobreviveram)


 
 
Mãos para trás,

pulsos apertados em algemas de gesso.

Frio estomacal,

qual paraquedista neófito.

.  .  .

Impelido sem oferecer resistência,

flutuei no ar.

Torturante giro no escurejar das trevas.

 .  .  .

Enfim, sós ! 

Eu, em descenso vertical, 

e o meu algoz,

que seguiu planeando na horizontal.

Formaram uma cruz nossas coordenadas.

 .  .  .

Ninguém escutou meus derradeiros gritos,

dispersos no silêncio do infinito:

"Liberdade,  liberdade ! . . ."

“Independência ou Morte ! . . .”

.  .  .

Morte ? ! . . .

Indolência, languidez. . . 

Talvez ! . . .

Corpo e alma na última queda em vida.

.  .  .

Foi o meu pensar

no ligeiro instante

antes

do mergulhar profundo

num ondeado e gélido mar bravio.

.  .  .

A escuridão das águas,

a mesma do noturno céu nublado,

a mesma dos pensares militares,

subordinados.

.  .  .

Imaginei-me sobrenadando

em  lágrimas derramadas

de tantas mães e irmãos

em esperas vãs.

.  .  .

Por certo,

meu corpo leve, a uma peso atado,

não ousou vaguear

nas vagas do mar revolto.

 .  .  .

Fato consumado

?  !  .  .  .
 
Virei marisco,

que ainda medra e agoniza

em meio à rebentação das ondas

e à resistência da pedra:

eterno embate ideológico

de duas forças antagônicas.
 


(Fernando Aquino Freire)

________________________________________

 
Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 31/03/2019
Reeditado em 05/04/2019
Código do texto: T6611764
Classificação de conteúdo: seguro