Ainda bicho, meio homem, quase mulher
Que venha a mim essa mulher negra
Com sua história
Quando a fala silabada
Indicava, tímida, a intuição
Do vir a ser:
Meio bicho, meio homem, quase mulher...
Que venha soberana, essa mulher
Mãe original,
A dizer com seus fósseis
O que a história não pode com palavras
E me falar de sua arte.
Sua pele queimada, seu cabelo crespo
Seu corpo sem pelos e suas entranhas suadas
Uma relação perfeita nascia ali, argilada
Ainda bicho, meio homem, quase mulher...
Que venha essa mulher
Traçar a pedra, polir a faca
Criar o fogo e dominar a mata:
Ainda bicho, meio homem, quase mulher...
Que venha essa mulher
Balbuciando cânticos de ninar
E no arquejar dos sons, a emoção de ouvir o outro
E se perceber no calor, no olhar, no toque sedutor:
Ainda bicho, meio homem, quase mulher...
Que venha essa mulher
A se erguer, a modelar o corpo
A se locomover em busca de horizontes
E a dominar a natureza, numa paixão intempestiva
Sendo mãe e filha
Ainda bicho, meio homem, quase mulher...
Que venha sempre essa negra mulher
Cultivar a terra, plantar o grão
Fertilizar o solo, engravidar
E nascer junto e juntos salgar a terra
E viver em comunhão
Ainda bicho, meio homem, uma mulher!