Quanto vale?

Agora já posso respirar,

A lama não me afoga mais,

Os meus pulmões já pulsam,

Os meus olhos, abertos no escuro,

Não choram mais, pois, minhas lágrimas,

Não as vejo, estou livre,

Estou limpo dos rejeitos do mundo,

Do escuro das almas, pois, a minha,

Já brilha ao teu lado, Senhor!

Se naquela hora, num instante,

Tentei abraçar-te, dar-te as mãos,

O que nunca fiz em vida,

Na morte tentei, perdão, amigo!

A minha alma, alvejada que foi,

Rapidamente, no sangue do cordeiro,

Já está livre da lama, do pó de onde vim.

Hoje sou o meu próprio instante,

O meu quadro estante, como arco-íris.

Apesar de meus olhos queimarem,

Apurados no ferro que o mundo impôs,

Eu te peço, Senhor, já que te sinto perto,

Olhai pelos que lá ficaram e ainda choram,

Pai pelo filho, filho pela mãe,

Mãe pela filha, filho pelo pai,

Irmão pelo irmão, amigo pelo amigo.

Já não somos mais João nem Maria,

Nem José, nem mais ninguém,

Todos somos um, junto a Deus,

Como luzes naturais, purificados.

A lama de um instante foi sempre a lama,

Que nos cobria, não éramos ninguém,

Perante aqueles que nos detinham.

A queda tão rápida, num piscar,

Na inércia que nos engoliu, num instante.

Hoje somos estrelas, brilhamos,

Sobre as mãos que se apoiam,

Sobre os corpos que se arrastam,

Atrás de corpos.

Obrigado, Deus, pelo que fomos,

Pois, como sementes, fomos plantados,

Numa terra escura, para darmos frutos novos.

As mãos opressoras, manchadas de sangue,

De lama, não mais vencerão,

Pois não são maiores que a morte,

E a morte, nós vencemos.

Quanto vale o teu sorriso?

Quanto vale o teu abraço?

Quanto vale o que mais vale?

A tua alma.