Afresco

Hoje não quero escrever sobre o amor

Nem sobre a vida

Nem sobre alegrias ou desilusões

Hoje não quero escrever canções nem criar melodias

Não quero poesias nem rimas

Pois o sol está tão lindo lá fora

Que prefiro contemplar a rara beleza diária

Do seu ouro no anil do céu

A ficar descrevendo-o numa folha branca com linhas pretas

Tentando fazê-lo mais belo

Que a própria natureza o fez

Hoje quero sentir o viço da manhã perfumada

Quero aquecer-me no calor do sol e refrescar-me nas sombras

Da farta copa de um Flamboiã

Pois minha avó já dizia:

_ Não há dinheiro que pague o frescor da sombra de uma árvore

Hoje quero saciar minha sede numa mina d´água

Ou pelo menos

Na boa água de um filtro de barro

Quero a felicidade num dia livre

Sem preocupar-me com as horas ou com as obrigações do trabalho

Não quero perguntar não quero responder

Nem ter compromisso com o sexo ou com o prazer

Hoje vou rabiscar

E não importa o quão medíocres ou singelos sejam estes rabiscos

Pois não quero falar nem ouvir

Não quero enxergar nem ser visto

Só quero

Sentir o esplendor da vida ao meu redor

Num calmo dia de brisa e de sol.