BATIDOS DA MEIA NOITE

As luzes alumiam os cidadãos

que dançam nas boates e

gastam absurdamente por

uma noite de hedonismo

que se repete sempre que

o vazio bate à sua porta

. Pode ser

que Édipos e Jocastas se encontrem

nesses lugares.

E eu saio: "Tem cinquenta centavos,

camaradinha?"–"Aqui."

–"Deus abençoe." Ultrajado

de gorro vermelho ele anda manco

guardando a moeda. Sinto o frio

bater contra meus panos

e olho os faróis dos carros na avenida.

Pela calçada o cara da moeda

vai levando

seu carrinho de mercado com papelão,

latinhas

e um cobertor. Caminho errante

pela São João atraído

por algo que desconheço.

Bares, cheiro de mijo, pombos,

traficantes

e cinemas. Um deles

com um cartaz escrito TEMOS CABINES

PRIVADAS E FILMES INÉDITOS.

Enquanto isso

minhas mãos estão frias

dentro dos bolsos

assim como as conversas de um grupo

de batidos da meia noite

falando tão baixo quanto sua pressão,

uns com os olhos reluzentes

, e outros puxando e sonhando

com a rocha infinita

querendo que o sol nunca mais

apareça. Vejo o cadáver

de um gato preto iluminado

pela luz baça do poste ao tempo

em que o

cachorro esguio sente o cheiro

da morte

e serve-se de água suja da valeta–

o cheiro não incomoda mas

o fato de não ter destino semelhante–

e minhas mãos estão tão frias

quanto seu pequeno corpo.

Um lambe-lambe de um político de extrema direita

colado na parede me fez pensar que

enquanto eles alegam movimentos sociais

como desordem, baderna,

adjetivos pejorativos,

sendo que

estes são vítimas de sua seletividade social

e opinião vaga e distorcida,

consequentemente manipulam pobres

sem a oportunidade de realizar

sua consciência de classe

e nos mantém na miséria

com a frieza

que sinto nas mãos.

Passo por um cara e uma garota

encostados na parede.

"Vamos pra algum lugar

comer alguma coisa", ele disse.–"

Hambúrguer?

"–"E depois uma cerveja."

Acendi um cigarro

e com quatro e oitenta

fui à padaria

tomar café.