PÁSSAROS

São tantos os pássaros
Em tantos recantos
A chilrear seus cânticos
E com suas belas plumagens
Eriçam suas variadas vaidades
E nas matas mais densas
Ensaiam seus suaves voos
Nas insólitas paisagens

São pássaros,
e cantam
e voam...

Na frieza da ciência
Os ornitólogos
Desvendam suas especificidades
Codificam seus voos e cantos
Se angustiam com a experiência
De não saber voar ou cantar
E em contundentes ensaios
Espairecem suas ansiedades

Existem raros pássaros ornitólogos
Nas variedades das florestas
Que voam e cantam
E entendem do voar e do cantar
- São mistérios dos pássaros -

E o mister dos ornitólogos
É a busca incessante
Da compreensão da beleza
Ds voos e dos cantos dos pássaros


E na disputa natural
Pelos mais belos voos e cantos
Os pássaros disputam
Na floresta o seu lugar

O ornitólogo vive de longe espreitar
E quando se apresenta o vencedor
Ele o mata para analisar


(Poesia inspirada pelo crônica de Luis Verissimo - janeiro de 2016)

Ornitologia
 
O escritor americano nascido no Canadá Saul Bellow disse certa vez que era um pássaro, não um ornitólogo. Querendo dizer que fazia seus romances, mas pouco entendia da teoria do romance. Era um ficcionista, não um ensaísta, e não esperassem outra coisa dele.

Bellow estava sendo falsamente modesto ou exageradamente anticrítico, pois pertencia a um seleto grupo de escritores — John Updike, Italo Calvino e Vladimir Nabokov são outros exemplos — tão bons críticos quanto romancistas, uma estranha estirpe de pássaros ornitológicos.

Híbridos como eles são raros, em qualquer profissão. Poucos jogadores de futebol conseguiriam descrever, em termos de física aplicada, o que fazem com uma bola.

Imagine o Garrincha num quadro-negro, explicando, com gráficos, uma jogada sua. Ninguém era mais pássaro do que Garrincha.

Bellow, Updike, Calvino, Nabokov e poucos outros fizeram sua literatura e escreveram sobre a literatura dos outros com a mesma maestria. Talvez sua experiência como pássaros informasse suas incursões pela teoria.

Alguém já disse que critico é aquele cara que fica assistindo à batalha de uma colina e, quando a batalha acaba, desce ao vale e atira nos sobreviventes. Um escritor seria mais benevolente com o trabalho de um colega.

Sobre a diferença entre a prática e a teoria, me lembrei da historia da faxineira do labirinto. Todos os dias, a faxineira entrava no labirinto, varria seus corredores, limpava o que havia para limpar, lustrava o que havia para lustrar e, terminado o seu serviço, ia para casa.

Um dia a faxineira encontrou um grupo de turistas aflitos dentro do labirinto. O grupo estava havia horas procurando a saída, em vão. Corredores davam para corredores que davam para corredores que terminavam em paredes sem saída.
A faxineira poderia ajudá-los a encontrar a saída? Claro, disse a faxineira. E começou a dar direções.

Vocês peguem a direita aqui, depois a esquerda, depois a... Não. Peguem a esquerda aqui, depois a direita, depois outra vez a direita... Ou será a esquerda? Meu Deus, eu não sei como sair do labirinto!

A faxineira nunca tinha se dado conta porque não precisava.