DEUSES DESUMANOS

Personificamos aquilo que nos importa

damos a morte uma foice

e nos escondemos atrás da porta;

cultuamos os que se foram,

como se ainda estivessem aqui,

como se interagissem

conosco novamente,

após nossas preces ouvir;

era moda dos mais antigos

os bichos daquele jogo,

que saiam dos sonhos mágicos,

viravam número de sorte,

e os faria ficar ricos,

ou desejarem a morte.

damos asas a paz, vida a esperança;

que Salomão personificou a sabedoria,

também fica em nossa lembrança.

Queremos tornar real a musa daquele filme,

o personagem do romance,

para os filhos demos heróis, fada do dente

e esperança de brincarem com gigantes;

e se em dezembro,

na hora certa,

olharem para o céu:

verão descendo das nuvens

um real papa noel;

mas se pegarem no sono,

e perderem as renas em looping,

poderão tirar fotos com ele,

naquele assento do shopping.

Mas nosso coração medroso

também conhece a arte de despersonificar;

também usamos a maldade

para de homens a vida roubar;

fazemos isto ao trânsito,

quando estamos com pressa,

xingando e despejando ofensas,

fazemos daquela rua

um palco de péssima peça;

esquecendo que na plateia

estão crianças atentas,

que repetirão na escola,

o que as imagens as fizeram propensas.

ensinamos que cor, título ou carreira profissional

é sempre muito importante;

ou você segue a moda,

ou será sempre coadjuvante.

É menos homem o lixeiro,

e no farol a criança,

tem pessoas da família que se não matamos,

abandonamos de nossas lembranças;

ignoramos o garçom,

dos vizinhos nos isolamos,

quem não é importante,

tiramos dos nossos planos.

Na vida real queremos ser deuses:

deuses que determinam vida

aquilo que nunca foi real;

deuses que matam aqueles

que receberam do divino

o direito de humanidade;

deuses no meio de iguais,

mas vivendo em outros planos;

deuses que no lugar de puros e justos,

cultivam o cruel e o profano:

Deuses com o poder da vida,

porém...

desumanos.