Reflexão
Prestes a dormir, à oração me recolho
E sinto, por sobre os ombros lassos
A paz inda ausente em meus passos
E a lágrima tão escassa em meu olho.
O sol fulgura no zênite. O corpo inda é vivo.
Leve sorriso esboço em meu rosto
E vou-me para o próximo sol posto
Com os sonhos, com os quais me incentivo.
Travo batalhas de manhã em manhã
E satisfaço-me, conquanto as parcas virtudes
De não mais vincular minhas vis atitudes
A mitológica figura de Satã.
Saio pelas ruas lúcido e vejo
Entre festas, bares, bebidas, o riso.
Será, então, essa a definição de paraíso
Do qual ferozmente me protejo?
E o prazer, que toda vida envenena?
Dissimula a alegria, e o bem estar dissimula?
Demônio voraz que, cupido, se intitula
De receita indispensável para uma vida plena!
E o gozo, prelibar do vício?
Estampado no corpo sensualista e avaro
Na ânsia do amor indescritível e raro,
Insula o tolo infeliz num precipício.
Como eu queria me ter furtado desse mal,
E por sobre a noite brasileira
Carregar, sem egoismo, a bandeira
Do bem, que é belo e imortal!
Como eu queria o invulgar e inocente
Riso de que fui portador um dia,
Sem carregar no peito agonia
E no lábio a peçonha de serpente.
Que resta-nos neste grabato de dor e de miséria?
Na lepra do egoismo, no sofrimento, no medo?
Qual, em suma, o grande e ignoto segredo
Da uníssona vivência da alma co'a matéria?
Cessada a reflexão, de volta ao leito
Fora a experiência onírica transportado.
Vi um homem a madeiro rude atado
E sangue, como rio, escorrendo-lhe pelo peito.
A nefanda multidão, incremente, gritava:
- "Desce da cruz, rei de Israel!
Não és enviado de Deus? Cumpri, pois, teu papel!
- Cura-te as feridas como a dos outros curava!"
E em meio ao povo tresloucado, pusilânime,
Destoando das ofensas dardejadas ao cordeiro,
O sentimento mais real, sublime e verdadeiro
Em lágrimas, por senhoras, ante a cruz infame.
Para dessedentar o condenado, vinagre trazem.
Tanto ódio manifesto eu nunca havia visto.
Em resposta, exclama, súplice, O Cristo
- "Perdoa-os, Pai, pois não sabem o que fazem!"
Frente ao lúgubre quadro, em estupefação e horror
Encontrava-me. O coração palpitava, quando
Num ímpeto, vi-me também condenando
A mais impoluta expressão do amor.
Assustei-me com o ato, e desperto
No corpo, em suores, em tensões,
Imerso num mar ignoto de emoções,
As quais eu não saberia descrever ao certo.
O fenômeno sui generis tocou-me fundo.
Conquanto a história não me fosse desconhecida
Sentia-a como parte precípua de minha vida,
Por conseguinte, causa das mazelas do mundo.
Esforço dispendo e muito pouco compreendo
Da mensagem, ante meu clamor egoico.
Confesso que a atitude daquele homem estoico
Motiva-me, embora as dores, a continuar vivendo.