BERÇO DE TERRA
Primeiro,
minha vovozinha querida,
ainda lúcida e serena, acabou,
como todo que é vivo no mundo,
deseja acabar.
Sem morfina, sem gemido de dor,
sem tubo de oxigênio, sem soro na veia
suspenso no ar, de surpresa,
sem nada avisar.
Dormiu sono profundo.
Sonhou o último mergulho no mar.
Na manhã seguinte, ainda sorrindo o sorriso da vida,
como roseira em jardim que acabou de florar,
continuou dormindo, não quis acordar.
Dela,
poucas lembranças,
sorriso infantil de tenra criança, braços de fada,
pra gente, ainda menino, como em rede de pano, no colo brincar.
Além disso, como castigo, de outros momentos, salvo o sorriso,
por mais que eu queira, não consigo lembrar.
Depois, outros entes queridos
foram morrendo aos poucos, que coisa triste pra gente falar.
Os mais velhos sempre na frente, os jovens, esperando a hora chegar.
Fiquei sozinho em meu mundo sem gente, sem colo de rede para
brincar, sofrendo calado, colando meus cacos, tentando sorrir, desejando chorar,aguardando à vontade do tempo,
assim que quisesse, também me levar.
Não,
não tem jeito, no silêncio da noite,
cansei de pensar: contra a vontade do tempo é inútil lutar.
Embora morrer é preciso, o eterno viver é desejo de vivo,
meu verme é o tempo, sina de todos,
preciso aceitar.
Se o nascer
é o início de tudo e o morrer é o fim,
berço de terra é sempre retorno, diz o tempo,
apontando e sorrindo pra mim, para tudo que é vivo,
um dia, sem vida, junto com vermes,
nele, dormir.