A Cidade Esquecida

À noite, quando a lua sobe ao céu e as estrelas derramam seu esplendor

sobre os filhos do senhor...

Ressurgem das ruelas ensombrecidas,

das multitrafegáveis avenidas,

dos becos,

dos guetos,

da cidade esquecida...

Gritos e lamentos,

heresias e xingamentos,

desespero e descontentamento...

Dos recantos tenebrosos, onde os fracos olhos não podem penetrar,

No sinistro absurdo que a hipocrisia não ousa encarar...

Existe uma gente sofrida,

maltrapilha,

que as mesmas estrelas está a enxergar.

Perguntam-se se existe mesmo aquele Deus que lhes fora ensinado cultuar.

No sombrio desalento

explodem em descontrolado constrangimento,

a extrema miséria os violenta por dentro.

Querem ver o Deus que fora lhes dito sentir Amor,

querem provar a experiência de conhecer alguém que lhes atribua algum valor.

Querem entender o Sol que ouviram falar que um dia a Terra iluminou...

Eles não tiveram a oportunidade de conhecer, verdadeiramente, o Bom Pastor.

São menos culpados, são inocentes, estão isentos de julgamentos pelos crimes praticados,

pois são vítimas de um pecado Maior, não revelado, não codificado.

São vítimas do Monstro Devorador,

do Inimigo Malfeitor,

que figura silencioso por trás dos supostos vitimados pelo “horror” ...

No meio do desespero ao qual não podem resistir

eles põem-se a explodir,

precisam revelar a mentira escondida, pois “os sensatos” não a podem descobrir,

estão preocupados demais, seus frágeis tronos precisam garantir...

Então, as vítimas da solidão,

da marginalização, precisam se fazer ouvir,

é hora de desmentir...

De trazer à tona a chaga exposta, a mazela não curada,

É hora de sacudir a poeira da indiferença legitimada,

É hora de fazer voar pelos ares a comodidade almejada...

O homicídio visita o filho do delegado aprendiz...

A prostituição bate à porta da casa do médico que se enfeita de verniz,

tem ele no íntimo de suas intenções verdadeiro apreço por outra meretriz,

essa precisa vender o corpo para garantir aos seus irmãos outra diretriz.

Diferente daquela que disse o sim na frente do padre e do juiz,

casou-se “enganado” o infeliz,

achou que a esposa escolhida devotaria a vida para fazê-lo feliz,

no entanto, tudo o que ela queria era alguém que pudesse oferecer uma situação confortável diante da sociedade deplorável, era essa sua força motriz.

Na casa do prefeito, o primogênito é suspeito

do tráfico imperfeito,

do roubo e da corrupção...

No lar do empresário indiferente,

belzebu toma chá quente

e investe persistente na tênue escuridão...

No sinal paralisado o filho do pretencioso advogado recebe, igualmente, o seu recado...

Encontra o tiro que sentenciará seu pai ao eterno pecado,

ao inferno que ele nunca enxergou do seu lado.

Na esbórnia consentida

encontramos a filha prostituída

do deputado eleito pela alienação,

este jamais encontrará guarida

para a própria deterioração,

está preso às algemas invisíveis da consciencial condenação.

A moça em questão alicia jovens carentes de instrução

para o pernicioso ofício da prostituição.

Porém, não são criminosos apenas esses cidadãos,

não apenas os que possuem maior destaque e melhor instrução...

Pois o crime do EGOÍSMO não escolhe classe social,

do carpinteiro ao joalheiro,

do feirante ao bombeiro,

do coletor de lixo ao deputado federal,

todo cidadão com má inclinação está suscetível a este mal.

Assim, o taxista encrenqueiro preocupado apenas com sustento pessoal

alimenta o dia inteiro o germe fatal.

A dona de casa que se disfarça de mãe dedicada,

buscando acariciar a própria vaidade,

exteriorizando o entendimento que seus filhos estão sendo educados de verdade,

pois para eles exige o que não possuiu na mocidade,

por isso, “faz das tripas coração”, mas seus filhos estudam na melhor escola da cidade.

Não sabe a pobre ignorante,

como seu desejo é infamante,

o quanto é contra a benevolência e a solidariedade,

esquece-se que para o bem de todos seria melhor A UNIÃO em torno de uma melhor escola para a coletividade.

Ricos e pobres, pretos e brancos, amarelos, pardos, gordos e magros, a escola deveria unir, e não criar diferenças exorbitantes...

Nem o noticiário perverso que ela assiste todos os dias no teatro dos vampiros a faz acordar para essa verdade gritante,

mas quando os renegados vêm cobrar, “as vítimas” encontram todas as desculpas para escapar do julgamento asfixiante.

O garçom iletrado do restaurante da esquina,

com a falsa face de cordial, alimenta tenebrosos pensamentos na surdina,

se pudesse, valer-se-ia de forte disciplina,

condenaria à morte ou à prisão todos os meninos desfavorecidos que pedem esmolas nos sinais para garantir o pão.

Onde os inocentes neste cenário deprimente?

Onde os bons corações?

Onde as boas intenções?

Sob as falsas máscaras tecidas a guisa de autoidolatria,

os zumbis lotam as ruas sem conhecerem a luz do dia...

Suas pútridas projeções mentais fazem-nos acreditar

que habitam outro patamar...

Acreditam “os inocentes” não terem crimes a expiar,

que o paraíso os espera por que sabem ir aos templos rezar.

Acreditam em Jesus, dizem amém, baixam a cabeça diante do espetáculo da cruz,

mas todos os dias condenam à morte da esperança várias crianças que crescem sem luz.

Bandidos tingidos! Fingidos! Fantasiados de homens leais...

Respeitados, amados, mas carentes de ideais...

Culpados por quererem da vida apenas garantir interesses pessoais,

pensam eles que garantindo o melhor para “os seus” obterão a tão sonhada paz.

A cinza densa da valorização pessoal em detrimento do benefício geral,

leva os indivíduos a não visualizarem o mal.

Sem justiça social,

Sem igualdade consciente,

Sem moralidade no proceder,

Qualquer sociedade tende a perecer.

Quando falta educação, NO MESMO NÍVEL, para todos os cidadãos

não existe inclusão,

só ilusão!

Se a escola divide os indivíduos monopolizando o conhecimento,

o crime aproxima e expõe seu ensinamento.

Em uma sociedade onde os sentimentos encontram-se em putrefação,

não existe indivíduo perfeito,

seja padre ou prefeito,

presidente, feirante, médico ou tecelão,

todos estão destinados a suportar o algoz que os conduzirá a eterna condenação:

o EGOÍSMO abrirá as suas portas acolhendo seus discípulos na prisão que não possui grades, no fogo que arde sem queimar.

Serão todos obrigados a pela vida caminhar

com a consciência pesada a os torturar,

emitindo fleches dos momentos indecorosos

e enviando às suas mentes para os atormentar.

Enquanto isso, na Cidade Esquecida,

os flagelados,

os renegados,

desonrados de toda sorte,

pedem ao Deus que não conhecem

para que os zumbis despertem

e os retirem daquele leito de morte.

Nijinska Nelly
Enviado por Nijinska Nelly em 12/04/2018
Reeditado em 13/04/2018
Código do texto: T6306774
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