Não sei ler
Tudo some
Tudo evapora
Nada sobra
Nem a sobra
Quando abro um livro
Sou morte instantânea
Sumiço repentino
Sou de mim inquilino
Querendo arrendar a casa
Leio o que vivo
Meus livros não têm capa
Têm pele de ovelha
Não têm páginas
Têm pá e uma cova esfomeada
Que sôfrega engole mais um corpo
Malsofrida esta paragem no intento
De querer atentamente perceber tudo
Mas não reter nada
Do que está escrito
Por não saber amar
Estes livros que não são objectos
Não são cadernos
São rostos didácticos e um manancial divino
Não fosse ignorado
Seria todos nós
Aparências desaparecem
Vejo quem são
Os que se fingem alguém
Quando descortino os manuais
Que cada um de nós é
Aquém morre a falsidade
Mostre a bunda dessa cara
Traga os votos com confiança
Desconfio e sou descrente
Os lobos são carneiros
Minhas histórias não contadas
São narradas com sangue dos partos desfeitos
Na circuncisão das letras
Um parágrafo se nos leram
Um livro que acabou
Dúvidas que ficaram
Folhas que se arrancaram por si
Tudo sobra
Tudo fica
Quando eu não sei ler.