Dois mendigos
Pela avenida caminhava o casal,
com seu carrinho cheio de sonhos de isopor,
papelões para a cama e jornais para cobertor
e pelo menos três cachorros,
como se fosse a coisa mais natural.
Pareciam, ambos tranquilos, sem filhos,
talvez a caminho de casa, no largo dos aflitos.
Não era feio e nem bonito, o casal
não pareciam brigar
e até aparentavam uma certa calma,
situação pouco comum naquele ponto da cidade,
onde a crueldade da sociedade é mais flagrante.
Pessoas iam e vinham, assim como eles,
em paz, sem se lembrarem, que na madrugada anterior,
abrigos haviam sido incendiados
e dois pobres coitados e rejeitados,
morreram carbonizados.
Mas fiquem tranquilos,
porque a polícia está investigando.
Pobre coitado é o incendiado ou quem incendiou?
Rejeitado, quem não foi um dia
ou tem certeza de que nunca será?
Que certeza temos nós do amanhã,
sobre os nossos empregos,
se até o policial tem medo de não mais policiar?
Já queimaram índio, agora mendigos
e quando não houver mais crimes para investigar?
Comida na mesa, teremos, com certeza?
A minha cerveja, estará garantida amanhã?
E amanhã, de manhã, a vida ainda me deixará acordar
ou me entregará para a sua rival de pior fama?
A cama ainda estará arrumada no meu quarto
e o quarto ainda existirá naquela casa(?)
que só é e será minha,
enquanto eu honrar o aluguel.
Papai Noel é muito vingativo.
Êta vida cruel,
mas não mais que nós,
pobres imortais iludidos,
tão generosos quanto e quando nos convém,
impiedosos também e nem sempre com um porquê.
Não gostamos e pronto,
mas, no entanto, sentimos também a dor da rejeição.
No meu condomínio eu tinha um vizinho,
rico, bonito e tão autoconfiante,
que chegava a dar nojo,
enquanto que o feirante por quem ele foi trocado,
não tinha posse nenhuma, coisíssima alguma,
mas comentam que ele tinha muito amor pra dar.
E quanto a moça, aquela que balançou,
alguns dizem que é doida
enquanto outros, uns poucos,
dizem que ela se cansou.
Existem formas e fórmulas para todo e qualquer tipo de veneno.