O Beijo
A cartografia da violência
Refrata sua luz no introito das árvores
Ouvem-se aqui acolá
Algures todo instante
O sibilo das aves
O inalar do pecado
O diamante dos rios crepitando apressado.
A centelha do fogo que trazia esperança
Hoje é cristal e certeza
Que calamos a voz do último lago
Que demos silêncio ao que tremia pacato
Que somos pecado, que somos pecado.
Cravada nos dentes
Vingança da Terra geme arco-íris deletério, sem cor,
O teatro vertigem, miragem ferina,
Que descortina, ilumina
Claustro e terror:
Alucina.
Ó noite transbordante que vomita sentenças – ide e fazei teu baile!
São sinais, lamentos tatuados na pele selvagem
Que emergem do fundo virgem
Eternidade da Terra
Plataforma ferida, sangrada.
Por isso a noite virá
E a Terra engolirá o que sempre foi seu:
Ternura e alimento
Mansidão e miséria
Cristão e ateu
Tudo será abraçado de volta
Num afago fatal
Qualquer sombra de matéria
Visão, demasia
Tudo irá corroer
Sob o ruído de um circo negro cigano
Qual sinistra trapezista
Onde a corda bamba
Não avista guarida nem plano:
Perigo!
A noite quedará pesadíssima, obesa.
Até que o céu beije o solo bestial
E dobre e desça e umedeça;
E seja obsceno, maldito, que roce sua língua,
Carcomendo o filho, o homem, seu inimigo;
Que não perdoe, não chore,
Não lhe conceda abrigo.
A Terra cindirá sua fenda insondável
Clareando louca visão da noite revoltada.
Verterá água sagrada em leite infértil e amargo!
Até drenarmos o último átomo de oxigênio,
O inferno será o apelido do estrago.