O Beijo

A cartografia da violência

Refrata sua luz no introito das árvores

Ouvem-se aqui acolá

Algures todo instante

O sibilo das aves

O inalar do pecado

O diamante dos rios crepitando apressado.

A centelha do fogo que trazia esperança

Hoje é cristal e certeza

Que calamos a voz do último lago

Que demos silêncio ao que tremia pacato

Que somos pecado, que somos pecado.

Cravada nos dentes

Vingança da Terra geme arco-íris deletério, sem cor,

O teatro vertigem, miragem ferina,

Que descortina, ilumina

Claustro e terror:

Alucina.

Ó noite transbordante que vomita sentenças – ide e fazei teu baile!

São sinais, lamentos tatuados na pele selvagem

Que emergem do fundo virgem

Eternidade da Terra

Plataforma ferida, sangrada.

Por isso a noite virá

E a Terra engolirá o que sempre foi seu:

Ternura e alimento

Mansidão e miséria

Cristão e ateu

Tudo será abraçado de volta

Num afago fatal

Qualquer sombra de matéria

Visão, demasia

Tudo irá corroer

Sob o ruído de um circo negro cigano

Qual sinistra trapezista

Onde a corda bamba

Não avista guarida nem plano:

Perigo!

A noite quedará pesadíssima, obesa.

Até que o céu beije o solo bestial

E dobre e desça e umedeça;

E seja obsceno, maldito, que roce sua língua,

Carcomendo o filho, o homem, seu inimigo;

Que não perdoe, não chore,

Não lhe conceda abrigo.

A Terra cindirá sua fenda insondável

Clareando louca visão da noite revoltada.

Verterá água sagrada em leite infértil e amargo!

Até drenarmos o último átomo de oxigênio,

O inferno será o apelido do estrago.

O Dissecador e Filipi Gradim
Enviado por O Dissecador em 13/02/2018
Código do texto: T6252244
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