BELA CRIATURA DA TERRA
BELA CRIATURA DA TERRA
Por Roosevelt Vieira Leite
Não sei o que me deu na mente quando vi à margem de uma estrada empoeirada do sertão de Campos uma mulher à beira de um tangue a lavar roupas. Naquela manhã me saltou ao raciocínio a fraqueza do hábito ou o de fazermos a mesma coisa, do mesmo jeito, seja certo, errado, ou direito. Senti-me nauseado, ou sujo como aquelas roupas deitadas em montinhos sobre a quente pedra sedimentar. Senti-me, também, como o mesmo homem de ontem, parecia, até, que eu não tinha acordado aquele dia. Parece que a repetição é uma canção que cantamos sem conhecer a letra, ou uma viagem que se faz crendo que tudo que vemos é só uma paisagem em uma janela de vidro fosco. A mulher atenta ao que fazia, batia repetidas vezes o tecido amarronzado na rocha indiferente. A água barrenta, e o lodo úmido, fazia da roupa ainda mais escura. Certamente, a pobre criatura do semiárido, de semblante enrugado, via naquela forma o quadrado de seu legado – a herança de um modelo proibido de ser criticado.
Naquela manhã em que o céu azul cobria o mundo entendi que os homens e o gado dividem o mesmo cercado. O primeiro tenta dizer de si; e o segundo, calado, está quieto por todos os lados como se fizesse uma pose para uma foto de turista. Danado hábito! Danado costume! Maldito e abençoado modelo de tudo! Eu não sou filósofo ou jurista, mas, minhas tripas me dizem que a repetição, o hábito, o modelo e o seu zelo são os apelos que criaram a tua rua, a tua calçada, tua roupa, teu nu, teu rumo ou o teu destino, mas o tino, o novo olhar para as coisas são as benções das incertezas, do choro, do luto, ou simplesmente, uma batida de cabeça.
A fábrica de homens nunca cessa de produzi-los, e suas sepulturas ainda mais. As rupturas, as rachaduras, as frestas, ou as brechas só surgem quando a letra rasga o papel com consciência, ou o sangue escorre das veias grosso como mel. Mas, que coisa odiosa! A mesma coisa é viciada, viciosa, talentosa, mimosa; é cheia de prosa e insiste em falar. Enfeitiçados por seus versos, os homens encontram suas carteiras cheias de dinheiro, ou avisos de pagamentos; eles retiraram daí suas identidades, e com isso, pensaram ter findado o sofrimento. A foto, o nome, o número são tudo que há, além disso, só existe água, fogo, terra e vento.
A mulher da estrada, da beira do tanque, das roupas lavadas ainda está lá. Nem o tangue é o mesmo, mas, ela insiste em bater o pano no duro cascalho. É na força do seu costume que ela tem o seu lume, contudo, no silêncio da noite, depois do açoite da lida, ela para a sonhar – “Uma lavadeira, uma máquina de passar”. Mas no escuro do quarto noturno revela-se o ser estranho e uma nova vida – O nu, o calor dos amantes, as juras noturnas, o corpo suado, as promessas de ouvido, o zumbido do vento corrente, o ventre molhado, o cheiro no pescoço, o consolo, e uma bela criatura da terra.