Menino de pés descalços
Entre troncos e chibatas
Feridas não curadas
Entre balas perdidas e sonhos adormecidos
Clandestinas valas
Resistência!
Negligência!
O menino da periferia sonha de pés descalços
A bola no pé
Um tanto de fé
É o menino remando contra a maré
Maré alta, branca e oportunista
Maré elite
Meritocrata
Escravagista
É o século vinte e um a prosseguir Quatrocentos anos
A bater na porta
Da mãe preta nas três conduções lotadas
Que chora calada
Todos os vinténs que não tem
Todos os medos que tem
Do filho preso ou morto
Na estatística
Da perícia que diz
Que a bala não vem da polícia
Mas o menino sonha
Com a camisa amarela
Porque a escola
Que deveria libertar
Parece cela
Não conduz
Não ensina
E não alimenta a alma
Migalhas
De um Estado que acorrenta
Na rua não tem abraço que acalenta
É pedrada nas ventas
Porque a pele não condiz
O cabelo não condiz
Nem mesmo o nariz
Nenhuma delas se parece com a matriz
Branca
Exigente
Que não olha pro quilombo
Nem pra favela
Mas espera que um milagre surja dela
Saindo sempre a frente na corrida
Achando que vontade basta
Para quem se esforça por comida na mesa
O menino não é herdeiro de empresa
Ele só sonha descalço
De pele preta
E sonho alto
Com o dia
Em que a periferia vai gritar
O dia que a cor da pele
Não vai mais importar
E que ninguém ouse dizer
Qual é o seu lugar
Porque o mundo será dele
Será eterna tua resistência
E não será necessário
Apenas um dia para se ter consciência
Porque ele vai ser parte do jogo
E teu lugar será o calendário todo.
- Charlene Angelim