O HOJE E O ABISMO SEM FUNDO
Hoje, caminho trôpego; os passos me são difíceis embora necessários.
O sol ainda quente do dia me dizia da noite que se aproximava, e minha alma, às vezes, calma esperava a estrela que me mostrasse o norte.
Essa é a nossa sorte - a crença de que não sabemos pra onde vamos, e a tristeza, mesmo, diante da beleza de sermos humanos, tão humanos quanto a pedra ou a água que corre fria sobre ela.
Tem coisas que não posso, e tu também.
Tem vento que gela meus ossos, o teu também.
Tem dia que a manhã é escura, e o sol não tem ternura pra te dar. É apenas um dia, seja de noite ou de dia; são apenas minutos, horas ou um relógio apressado cheio de covardia.
O meu passo perdeu o seu ritmo. Não há simetria, nem maestria na estrada escorregadiça cheia de certezas como flores sobre mesa. O teu calo é teu e o meu só meu, contudo, a dor é nossa; ela é a herança de nossos pais. É a verdade que coagula como o sangue em sua poça.
Ah, verdades mil!
Ah, conselhos que nos chegam e não cessam!
Ah, que mundo sabido cheio de seres combalidos, simplesmente, pela dor de ser!
Hoje, o que sei é que o ser espera ser a cada dia um pouco mais de um pouco de si mesmo. Um pouco aqui, um pouco ali, ajeita isso ou aquilo; espera mais, ou mínimo de alguma outra coisa que nem sabemos onde estar e o que é. É assim que somos, e nossos sonhos vão a marte, mas, também, nos trazem à morte.
No entanto, dizes tu que és forte. Tua carreira parece a primeira da terra, e desta forma, pensas tu que és mais que os homens, sim, aqueles que como tu são pó na cova; essa deve ser a tua prova, somente tua, pois cada um se recolhe como pode.
Ontem, eu sabia de tudo sobre meu mundo. Conhecia minha rua, minha velha vizinha que me espreitava à porta nas horas da ida e da chegada, e à mesa após a ação de graça a velha cuspia a baba repugnante de seu cachimbo. Ontem, eu era jovem, ou criança; a pressa era minha amiga e a paciência um caduca rabugenta. Ainda no meu mundo só há a viagem, ou uma mistura de paisagens sem a lembrança da parada final na rodoviária.
Oh, que tédio morrer assim!
Oh, que morte ruim! É verdade que o óbito é um sapo costurado na boca com tua foto dentro.
Não adiante, a fatalidade não tem idade quanto mais a segurança da necrose quando o sangue não circula.
Mesmo assim, eu sou um tolo! Continuo acreditando que amanhã eu suarei ao sol do sertão de Campos. Que todos os meus sonhos vão estar lá, sim, lá, bem perto de mim. Isso deve ser e continuar sendo, pois, mesmo morrendo eu quero viver.
Hoje, eu quero viver o hoje, o agora, sem focar o ir embora; viver como dizia o poeta Drummond “sem sofisticações, simplesmente, viver”. Mas, isso não me é, plenamente, possível! A fome de meu estômago nunca cessa, nem a vontade dizer se aquieta, nem O movimento das calçadas perde a pressa. O ser é um complexo de vozes que o atormenta, o ser é um abismo sem fundo, só queda...