O TRANSFORMISTA

Eu sempre quis ser outro para descobrir

qual a sensação de fazer outras coisas

que não as que faço cotidianamente.

...

Fui ser palhaço.

Entrar no circo pela porta dos fundos,

onde entra o choro e sai o riso encantador.

No alto da arquibancada estava minha mãe,

que eu fizera rir muito pouco, sem saber

que seu filho ardia em fogo, no picadeiro,

a se despalhaçar de amores por ela.

Tanto ela riu que ri também e, juntos,

rimos ao mundo que aos poucos

vai perdendo o seu bom humor.

...

Fui ser manobrista.

Para ter a sensação de dirigir a vida das pessoas,

um Woody Allen do volante, fazê-las interpretar,

à meu modo, os papeis que muitos recusam.

...

Fui ser controlador de propagandas na TV.

Pense comigo:

a criança acorda de manhã, liga a tv,

vê os flocos nadando no leite achocolatado,

pede à mãe, ela esbraveja, diz que tá caro,

que um dia vai comprar, você vai ver...

...

Fui ser removedor de cascas na alma.

Uma espécie de lixador de aparências,

até chegar ao palco onde a alma se apresenta,

sem maquiagem, a olhar a si mesma

no espelho onde Narciso não mora.

...

Fui, enfim, ser eu mesmo.

Descobri, na casa do Mestre Acaso,

que nunca chegaria até onde olharia

o berço do berço do berço...

A procura é o ato de não encontrar

o que sempre esteve aqui,

o que se terá quando a mágica do infinito

dividir-nos nas sempre e únicas

partículas atômicas.