DAMA DA NOITE
Toda noite é mesmo assim.
A tortura sem disfarce.
As luzes todas se apagam
e ficamos face a face.
Ela ri, seduz, me atrai.
Eu, receoso, começo
essa bajulação noturna,
condenado; réu confesso.
Ela se esquiva e eu tenho
que (de novo) me virar,
temo que a dama se irrite
e deixe tudo como está.
Com maestria, domina
toda forma de conquista.
Eu, fingindo não saber,
clamo a pálpebra: - Resista!
A moça ri (e sabe rir).
Me contém sob tutela.
Passo firme, vai à frente
da neblina na janela.
Então repenso momentos
abstratos, "não concretos",
e, em meio a eles, pairo, paro:
Neles me projeto:
São, os 'vivo'; os recorto,
me agarrando em cada "frame",
como se busca sentido
num dedão, que agora treme (?)
Loucos sonham, noivas casam.
- Ô separação amarga!
Pensamentos se debatem
(na urina; na descarga)
Recomeço em queda livre
e acredito livre estar.
Enquanto solto, percebo
um velho cílio reclamar
Nova promessa me abraça,
sinto, "é o adormecer"
[ela acena, lá de cima,
o quão pueril é o meu querer.
Triunfante, impertinente,
eu, vencido, a vejo assim,
me avisando "factualmente
toda noite tem seu fim"
Me GRITA em tom de deboche
que é amante dos alarmes,
que do encanto pode
repentinamente "aliviar-me"]
Mais me viro. Mais ainda.
Mas nem sinal de progresso.
O edredom encontra o piso
num deslize. Sem sucesso.
O médio traqueja a nuca
enlouquecida, agonizante;
e a cabeça, o travesseiro
agora lúgubre e distante
Devagar se vai à queda.
Divagar se vai bem longe.
É bem mais longo o martírio
do lençol que o rosto esconde.
Altas horas, baixo escudo,
da fresta, o primeiro lume,
na rua, os (de)zunidos
relembram velhos costumes.
No vidro, um raio perdido
da luz que à manhã ascende.
Outra vez, sem ter dormido,
desperto. O olhar se rende:
- Bom dia, Dona insônia!