A Senhora Que Era Triste
Senhora, triste senhora
Quis cuidar de todo mundo e não cuidou de si mesma
Primeiro cuidou do marido, mas aquele ingrato, atrevido, teve que ir primeiro
Escorregou no banheiro e por vaidade não pediu ajuda
"Abre a porta Zé, deixa de frescura!"
Mas o Zé, aí o Zé, foi morar em uma tumba!
Depois a Marlúcia, sua filha mais velha
Ainda era moça quando conheceu um rapaz de baixa estatura
"Minha filha, esse moço não alcança a tua cintura"
Mas a Marlúcia era teimosa, comprou um banquinho para o rapaz alcançá-la
Disse adeus para mãe e meteu o pé na estrada
Sobrou-lhe então o caçula, menino direito, prezava a família, pedia a bênção para mãe todo santo dia
"Ah, esse fica comigo, menino carinhoso"
E não é que o manhoso descobriu-se gay
Foi morar com Maurício, disse que homem é seu vício e que não há uma lei que o proíba deste ofício
Senhora, triste senhora, viu-se sozinha depois de todos esses anos
Teve de conviver com sua própria companhia
"Puta que pariu, onde é que já se viu, eu que sempre fiz tudo por esses ingratos que não lavavam nem os pratos, agora fico aqui morrendo de saudade."
Mas por ser geminiana, tem o peito instável, ora chora de amor, ora xinga o diabo
Sorriu, lembrou ser viúva, mulher madura e enxuta que tão bem sabe bailar
"O Zé? Ah, o Zé que paúra! Eu ali toda nua e ele vendo TV. Vou fazer uma reza para que descanse em paz. Mas eu, meu amor - nunca mais quero homem de enfeite -
Deixo o Zé na parede e vou para noite dançar.
Pensou na sua filha mais velha, menina difícil
“A Marlúcia não parava em casa mesmo, e quando estava, só ficava no quarto
ouvindo um tal de Camelo e fumando um treco fedido
Pelo menos agora ela que aborreça a sogra com as cansativas histórias do seu mini marido”
Do caçula sentiu até saudade, mas depois mudou de ideia
“Menino mimado, deveria ter apanhado,
fico pensando como é que o namorado aguenta sua arrogante epopeia”
Senhora, triste senhora que já não é mais tão triste assim
Já repicou o cabelo, já não exala tempero e se mudou da cozinha
Hoje só lava um prato, tem mais espaço no armário e escolhe se quer ou não dormir sozinha
Seu coração de mãe às vezes arde de saudade, mas também por ser mãe sempre suporta a dor
Senhora, alegre senhora
Deixou de pensar em todo mundo e cuidou de si mesma
Tem como primazia a felicidade intrínseca
E só depois de sorrir, pensa nos demais
Pois hoje tudo é secundário, tudo é obtuso
Menos sua própria paz