AUTO RETRATO

A minha mãe chamava-se Maria

Quando o fórceps me pôs no mundo

Eu não mostrei valentia

Minha mãe foi minha heroína discreta

Hoje é apenas uma foto que se esvanece

Numa lápide distante e baldia

Minha vida sempre seguiu imprevisível,

Ela sempre teve planos diferentes

Nunca aconteceu o que eu queria

A esteira das circunstâncias

Mostrou-se tão móvel quanto elas

Tudo segue à minha revelia

Eu ando sem lume,

Nada fiz de grande

Tampouco ganhei na loteria

A verdade é que não tenho mais ilusões

Descobri que a felicidade não existe

Que tudo é uma grande utopia

Os espelhos... ah os espelhos, só mostram

O meu lado ridículo

Já não tenho qualquer fantasia!

Sempre ouvi dizer que o amor está no éter,

Porém, pobre de mim,

nunca achei sua sintonia!

Também nunca soube ler

O que vai pelas estrelas

Talvez eu tenha miopia!

O vago da parede a minha frente

É como se fosse um imã

No fogo, uma chaleira chia

Minha cabeça doí, minha alma dói

Tudo está em redemoinhos

A garrafa de vinho está vazia

Tento ouvir

O que fala o silencio

Lá fora o vento assobia

A noite cai como chumbo

Solitário e sem par,

Tristemente, um gato mia

Minha janela.... minha janela

é a minha única ligação com o mundo

Um homem entrou na tabacaria,

Nestas horas as palavras

Dormem com as pessoas

A rua agora está vazia

No chão áspero do asfalto

As folhas rolam sem rumo

A noite é deveras sombria

Então, eu tomo então um café

Que eu mesmo fiz,

Tento dissimular a melancolia

Meus pensamentos

Andam sempre contra o vento

O fumo pouco me alivia

As luzes me incomodam

Fecho as janelas

Tento disfarçar a nostalgia

Levanto, ando pelo quarto

Ligo a tv, desligo a tv

A futilidade me angustia

De repente, um vento frio

Sobe pela minha espinha

A pele da nuca arrepia

Tenho uma sensação ruim

Sinto náusea, algum medo

Penso que a morte me espia

Deito-me, termino o cigarro

Surge um verso, volta a calma

Alguma luz me alumia!

Concluo que a vida é inverossímil

Assim vou vivendo, me espremendo,

Entre a realidade e a fantasia!

Celio Govedice
Enviado por Celio Govedice em 05/08/2017
Reeditado em 27/03/2024
Código do texto: T6074671
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