A NORMA

A norma

I

Queremos que os outros mudem.

Ou tentamos muda-los segundo a crença nossa ou a comum.

Manipulamos a matéria de acordo com nossa lógica.

A lógica que é como uma moça criada com mimos desde os tempos antigos.

Ela é alimentada por seus amigos e inimigos.

Ela é como a serpente que nos espreita em sua loca.

Ela é a regra vivida nos becos e encruzilhadas;

Tanto na chegada como na despedida.

Ela é a razão de uma civilização atrapalhada.

É a causa de tua vida sofrida.

II

Ontem eu estava no reflexo do vidro da janela do vizinho.

Vi-me o mesmo! Eu era como uma pedra perdida e solitária num deserto ermo. Meu rosto tinha a mesma cor; meus traços, embora o disfarce costumeiro, exibiam a rotina de uma diária lida sempre corrida; meus olhos eram laços; suas lágrimas gotas de aço derretido, e o meu nariz o de um garrido palhaço.

III

Ontem meus ossos estalaram com o peso do mundo sobre meus ombros vacilantes. Tentei joga-lo nas costas dos outros, mas, foi em vão. Cada um carrega seu mundo, sejas tu José ou João. Tua vida e tua morte é tua; é só tua. Não adianta tentar fugir da estrada em que todos passam, pois, é em vão ocupar teu irmão com a tua sorte e nem tu te tornares um ambulante sem norte.

IV

Os passos dados são de inteira responsabilidade do viajante.

A estrada em que andamos é uma combinação nossa e vossa.

Nesta jornada nada nos foi doado, tudo, na verdade que é importante, é filho do luto.

Ela é a estrada que foi construída com muita prosa.

E sem pressa e sem carreira, o nosso caminho foi aberto por uma velha faladeira.

V

Ah, as coisas velhas!

Ah, as coisas da velha faladeira!

Ah, a lógica que foi a primeira!

Ah, que ilusão dos andarilhos!

Ah, vejam o trem e seus trilhos!

VI

As velhas e novas coisas se fazem presentes sussurrando um passado distante ao ouvido do peregrino. E este crer em quase tudo ou em quase nada. Tanto um quanto o outro são a mesma coisa; a velha coisa que se tornará em outra coisa em outra história que desconheço.

E eu olhei mais uma vez e vi os homens recolhendo os pedaços de outros homens. Cada um era um irmão ou uma irmã tua e minha. Nós somos corpos retalhados com preços calculados. Somos mentes híbridas e espíritos mestiços cheios da poeira do caminho por onde caminhamos. Somos a soma de nossas sepulturas; somos, nas praças para quem passa, antigas esculturas que se esfriam como metal derretido na taça do tempo.

VII

Então, é bom pensar!

Então, é maravilhoso sonhar!

Mas, isso se torna inútil. Pois, a lógica dos homens é o delírio do ébrio que tenta encontrar o caminho de volta. O pensar é a ilusão da alma aflita que busca sentido no chão e no ar. Assim, o pensar dos homens é igual a eles – é poeira varrida pelo vento.

Roosevelt leite
Enviado por Roosevelt leite em 24/06/2017
Código do texto: T6035860
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.