Fera
Eu tenho uma fera aqui dentro.
Ela cresceu junto comigo.
Hoje ela tem garras, ela tem dentes
e a gente compartilha um sorriso.
Bem me lembro a primeira vez
que eu a deixei passear.
E quanta pirraça, quanta lambança
quanta lágrima na infância...
Pra depois ver que o parque nem era tão bom assim.
O problema de criar besta
é que besta não aprende.
E não tem corrente.
Nem tem mais parede, nem teto
que prende.
E eu quero que prenda? Que aprenda?
Eu já desisti e aprendi;
a gostar de garrada no peito,
de dentes que me rasgam, do estrago.
Como gente eu fico mutilado,
mas a gente compartilha um sorriso.
E quando eu tô mais acabado,
quando me envolve o maior dos perigos,
quando preciso de um laço, de um abraço,
de pegar no tranco...
Ou quando a água bate na bunda,
na dúvida e nos meus enganos,
nas vitórias e nas não-derrotas,
em todas as minhas horas mais notórias
há um rugido aqui que diz:
Eu consigo!Eu consigo!Eu consigo!
Então somos amigos, eu e ela.
Um relacionamento abusivo, comigo.
Mas eu já vi almas disciplinadas.
E corações felinos.
E gaiolas para falsos pássaros azuis.
E eu não quero um pássaro azul.
Eu só li mesmo.
Por mais cicatrizado,
Por mais colcha de retalho,
se eu não consigo andar,é ela que me carrega.
Quando bate a fome de gente
e a fome de fera,
a gente caça.
Um dia a gente acha.
Uma domadora ou outra besta:
pra enlouquecer em um banho de sangue,
pra acalmar em um banho de espuma.
Quem sabe os dois?
Eu carrego uma fera comigo
então me digam que eu sou o monstro.
Outros dizem que eu sou um louco,
enquanto eu tenho certeza.
Que só junto dessa minha fera,
eu posso alcançar minha grandeza.
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