PINCELADAS
Tudo o que eu tinha era uma tela em branco,
Tudo o que eu tinha era a imagem das cores,
Foi quando sai à procura de cada tonalidade,
E em cada esquina em que me arranhava,
Fui colorindo a tela com o carmesim do próprio sangue.
Eu tinha uma tela branca com borrões vermelhos,
Eu tinha uma imagem disforme que não refletia os sonhos nítidos,
Tentei retroceder tarde da noite,
Mas em meio ao frio o nevoeiro cinza descia, o céu parecia repousar sobre a rua,
Fui colorindo a tela com o cinza da neblina que turvava meus olhos.
Minha tela parecia canção de notas menores,
Nas cores apenas pinceladas de melancolia,
Tentei clarear com o amarelo alaranjado do sol que se levantava além dos montes,
Mal sabia que para haver um pouco da claridade amarelada,
Eu queimaria as mãos tentando encontrar a luz.
Entre mil passos e reviravoltas na mente,
Enquanto me perdia à procura das cores que via naqueles sonhos,
Eu deixava um pedaço de mim nas calçadas desgastadas das velhas vielas,
Pintando aqueles sonhos para não esquecer, enquanto abortava a capacidade de sonhar,
E para encontrar todas as cores, perdi minhas tonalidades.
Ao secar o pincel,
A inspiração se tornou estrela cadente,
Pintando o céu por um instante,
Desaparecendo em segundos,
E aquela tela desapareceu na escuridão da noite.
Mas quando mantemos a fé no amanhã, não há noite que impeça o nascer do sol,
Nenhum coração que não deixou de bater está sujeito aos grilhões eternos,
Mesmo que doa a cada respiração, o esforço será um investimento em meio aos gemidos,
Porque não houve um homem sequer que não tenha sentido na pele os acoites e os vendavais,
Entretanto, o tolo se envergonhará de sua queda, mas o sábio retira sabedoria de cada arranhão.
Houveram tempos em que não tínhamos medo de errar, hoje estamos à sombra das incertezas,
Este é o receio de quem viu os sonhos perderem as asas e caírem,
De quem erigiu da casa o lar, e sorrateiramente sentiu a solidão abraçar,
Mas um dia escreveram que a glória da segunda casa seria maior que a da primeira,
E por isso continuamos até conhecer os nossos limites.
Tudo o que eu tinha era uma tela em branco e sonhos coloridos,
E para pintar a tela me perdi para me reencontrar, caí para recomeçar,
Recuperei uma a uma as cores dentro de mim, e colori minhas paredes brancas e cansadas,
No coração pintei novas portas e refiz o lar,
Para que o carmesim já não seja das feridas, mas do amor que convidei a entrar.