SÓ É POETA QUEM JÁ COMEU
Só é poeta quem já comeu
Lembra lucidamente o corpo
Só pode sonhar quem já comeu
Lembra vertiginosamente as entranhas
Só pode falar quem não é escravo de ninguém
Lembra dolorosamente a realidade
Hoje eu, homem total, que comi e bebi que sou livre
Que celebrei com meus companheiros
Que já fiz amor
Que pude então amar é sonhar
E ser poeta
Respiro este ar especial do devir
Em mim habita uma falta de sentido natural
E uma lucidez que chega a me amedrontar
Queria, enfim, agradecer a seja la que for
O seja la quê tenha me permitido escrever este poema
Ter comido e bebido
E nascido no meu ser a metafisica necessária pra este verso
Ter ouvido a canção e ter visto a foto daquela bela mulher
Tudo é misterioso como o viver
Todo o mundo é estranho e em minha época os homens
Esqueceram que podem ser magníficos
Mas só para quem come é bebe
Todo o restante dos seres sofredores que habitam esta terra
Somente deliram
Aqueles que comem o solido e bebem o liquido
Também se alimentam da metafisica
Do invisível e do mistico
E seguem, sonhando, desesperadamente
Com dias melhores
O que é o homem afinal?
Nem Kant e nem Nietzsche conseguiram responder
Esta imensa fonte de delírios
Do qual brota a imaginação e o devaneio
Sorte tem os que come e bebem
Só após este ritual é possível fazer as orações
Por aqueles que necessitam da comida e da bebida
Só então é possível pecar e guerrear
Só então é possível profanar e odiar
Só então é possível imaginar e sonhar
De toda forma fica claro que é da realidade que surge
a metafisica e não do inverso
Mas não sei ainda se estou certo disso suspeito.
E que sem os sólidos e os líquidos
Nenhum homem poderia ter sido tão grandioso.
Ou Poeta
Ou Artista
Ou se quer existir.
não é possível ser belo de barriga vazia
nem pomposo nem lord nem rei
Nem se gabar dos grandes feitos
Não é possível ser total.
A fome pode ser poesia
Pode ser poema
Mas nunca pode ser poeta.