CORNUCÓPIA

Depois que a luz se apagar,

Virão as sombras densas de abstração e ausência.

Toda noite é assim:

Laboriosa oficina de solitude e silêncio

Para desdobrar um sol caído, que subirá em mil lótus.

Luzentes pérolas soltas

Num oceano escuro de uma ponta à outra.

Depois que o verde madurar,

Um fruto dado ao chão

Dormirá o veludo do sono do ventre dos casulos

Para reinventar, lá dentro, a vida

Num rosário de ressurreição.

Antecedência de raiz é semente

Sonhando ouro de pólen e berilo de colibris.

Depois que a flor secar

Entre as palavras da frágil caligrafia do amor

Preso nas iluminuras de triste e solta

Trama de reinos, torres, naufrágios,

Em que eles bebiam poções, e elas morriam do exílio,

Um perfume de saudade

Desprender-se-á do que no sonho se inscreveu.

Depois que dezembro acabar,

Abraçada à crosta de um tronco,

A casca de uma cigarra, seguindo o improviso da pauta

Que se insinua na arbitrária rota dos ventos

Lançará pela incorpórea garganta

O voo do som que passa

Pela aberta concha vazia da sua aérea carcaça.

Depois que eu me encontrar

Nas mesmas alamedas, que verei diferentes,

Saberei quem já não sou,

Pois, indo pela vida como em labirinto,

Tenha eu nas mãos a teia para o novelo

De histórias só de começo e meio.

Assim, tecerei sem fim com o mesmo fio nova trama de mim.