ODISSEU ERRANTE

Quando a escuridão em mim se faz,

ainda que o sol desponte radiante

perco o sono, perco o tino e a paz.

Sinto-me o Odisseu mais errante

dentre todos os mortais.

Cansado de astúcias e guerras,

de tantas naus e saqueios perdidos,

de tantos sonhos caídos por terra,

Odisseu de sentimentos oprimidos,

dessa grande vida procela.

Sem Destino, sem timão,

exilado em um submundo,

desprovido de toda ilusão,

Odisseu do Hades profundo

decrépito, de amargo coração.

Levianas juras e vãos amores

esvaíram-se tal água pelos dedos

carrego do mundo as dores

Odisseu dos tormentosos segredos,

isolado em belicosas torres.

Castigado pela ira netúnia

atormentado pelo abandono do lar

largado à própria sorte, à penúria.

Odisseu sem porto aonde chegar

e de grandes glórias estapafúrdias.

Onde perdi o poder da imortalidade?

Quando os triunfos viraram fardos?

Por que me abandonaram as divindades?

Odisseu de trêmulos e vagos passos,

por que tudo em ti é fatalidade?

O peso da idade me consome,

tal como ao leal amigo Argos.

Quiçá as forças não me abandonem,

quero voltar a retesar o arco,

ser Odisseu caído, mas Homem,

e reerguer-me sublime e cauto.