ESPANTO
À Ferreira Gullar
Me espanta tanto o espanto
Que de manhã um tanto quanto
Pela tarde me chega
E por ela uma nesga
Da noite negra
Que se avizinha com a alcunha
De bela sereia que despeja
Um balde de estrelas
De pupunha
Na minha boca desbocada
Pelo tanto de espanto
À minha alma espantada...
Na manhã já me é grande o espanto
Pelo sol que estende o manto
E amarela as coisas
E ri seus dentes de ouro
Como um pirata sem decoro
A invadir a nau de sonhos
Na qual navego o espanto
Que ponho tal válvula de soro
Nesse espantado canto...
Na tarde que herda os filamentos da gleba de luz
O espanto a mais espanto me conduz
Que traduzo no espantamento
Que me arvora por fora e por dentro
Num tom tão alto espalhado
Que ao espanto nada sou delicado
E emito o grito neste exato momento
Espantado...
Na noite que revela o que o dia esconde
Surge o espanto em noturna fronte
Tal coroa em sua cabeça de rainha espantada
Que ao espanto se declara toda coroada
Caminhando sobre espantados mundos
Que do primeiro espanto são oriundos...
E nesta poesia que no ventre gera entendimento
Palavras se espantam com a brisa que espanta o vento
E eu cá espantado com a espantada máquina do tempo
Vivo o esplendor do espanto que gerou o primeiro movimento...