O BE A BA DO MORTO

Há um segredo em morrer.

Todo morto escondeu o jeito,

embora seja da criança a questão:

Como se faz pra morrer?

Por que o morto não volta

pra dizer que a morte funciona assim,

não dói,

se faz naquela posição,

multiplica-se por zero?

Como se expira?

Cem pessoas morreram ontem

vítimas da bomba.

Qual acordo fizeram?

Quando ensaiaram

a mesma explosão?

E a velhinha durante a operação?

Será que tentou

declamar a sua morte aos médicos,

porque foi professora

e faltou lecionar

esta aula básica?

Terá percebido a falta de tempo,

para o futuro imperfeito?

E o menino nascido morto?

Ele não seria o grande mestre

se pudesse dizer:

“Estava percorrendo um túnel,

quando gritaram,

Retorne!

E eu obedeci”.

De que modo se parte?

O morto estala

para depois descer do pedestal

chamado “ vida” ;

se deixa empurrar,

próximo dominó da fileira

ou estanca o coração pulsante,

sem nem perceber,

a existência do músculo

no seu tempo de circulação?

Anjos não me surgiram,

mas seria esta

uma exposição válida?

“Queridos, para morrer

você é um elefante bailarino.

Ele quer sair de cena e salta.

Todos aplaudem,

mas nem este elefante nota

o seu impacto sobre o chão”.

DO LIVRO: ADVERSOS E OUTROS MOMENTOS

Paulo Fontenelle de Araujo
Enviado por Paulo Fontenelle de Araujo em 13/12/2016
Reeditado em 07/09/2024
Código do texto: T5852502
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