Maçã

O que restou da maçã acaba de ir para o cesto de lixo.

Estava deliciosa, doce, consistente.

Seu aroma ainda perfuma minha boca.

A matéria, que junta formava a bela fruta,

foi saborosamente desintegrada.

Aquela maçã não mais existe.

Cumpriu sua função.

Poderia ter apodrecido e perecido sem honras.

Sem perfumar o hálito de ninguém.

Outros átomos e moléculas esperam.

Que a semente de alguma vida as convoquem.

Para compor novas maçãs, uvas, peras.

E assim matar a fome e a sede de outro ser,

ou apenas lhes dar prazer.

Da vida pela vida.

Morte com honra.

Sublime transformação.

Máxima sensação:

Reconhecer-se eterno pelas partes que nos compõe.

Sem ceder a tentação da separação pela separação.

Se maçã ainda somos, assim queremos ficar.

Mas o tempo nos morde!

Saboreia-nos!

Dentes afiados, cravados sem dó.

Dizendo: essa matéria não te pertence!

Converta-se, momentaneamente, em pó.

Bom seria se pudéssemos escolher

o destino da nossa massa.

Depender só do acaso causa uma estranha impressão.

Se não for para ser gente, o que ser então?

Matéria inerte, sem vida,

tem valia.

Dor não se sente,

será isso bom?

A falta de consciência acaba com o sofrimento,

mas dá em troca a solidão.

Se alguém se habilita, ofereço bons restos mortais.

Óvulos, pólen, espermatozoides, de reputação.

Que buscam a fecundação,

e precisam matéria de peso.

Eis a ocasião!

Antes que mal uso de mim façam,

ponho-me a disposição.

Por favor, apoderem-se logo!

Temo que o ruim me suceda

Virar um monstro?

eu não!