FILHOS DO PERDÃO
E da terra
Do chão
Da pedra
Do caixão
Herdado da guerra
Sou filho de outrora retirantes
Do marinheiro luso hispânico
De ratos da nau integrantes
Da vela em esforço titânico
Sou filho nos braço da índia
Arrancado num gesto tirânico
Do branco em expedição às Índias
Sou também o açoite do chicote
Que explode na escápula do africano
Explorado por mais um coiote
Que o trocou por um charuto cubano
Sou filho nascido na caravela
Em terra cortada por Tordesilhas
Na terra de quinhão que nos revela
Quem sempre mandou nessas ilhas
Pois nasci do estupro da cabocla
Também do estupro violento da escrava
O Capitão do mato deu um cala boca
Um sumiço no bebe mulato que gritava
Sou filho bastardo do Barão do café
Mas morei abaixo da casa grande
Destino certo: no máximo chofer
Pois no pé o grilhão, a visão não expande
Sou filho do perdão da Terra de Santa Cruz
Do ouro tolhido da atlântica virgem
Com batalha perdida que nos conduz
À desigualdade faraônica de dar vertigem
Pois sou filho do açúcar, da pinga da cana
Arrancada em toneladas por boia-fria
Como em Cuba, Haiti, Punta Cana
Embalados no caixão da Guerra-fria
Sou nascido no nordeste do solo árido
Minha pele é Vidas Secas, vermelha
Do sol impávido colosso e cálido
Do casebre sem parede, chão, sem telha
Sou índio potiguara dos emancipados
Pelo dízimo católico alfabetizador
Na tentativa do ato fomos dizimados
Pelo iluminismo das sombras do pregador
Sou filho do maderite da favela
Do prato vazio e da violência
Do choro da mãe rezando enquanto vela
Mais um filho do Brasil por consequência
Sou filho dos retirantes de Portinari
Nos braços daquela figura encarquilhada
Somos leões famintos num aquário-safari
Pintados por mordaças com enxadas
Nasci das chicotadas pintadas por Debret
Do negro que jamais sangra escarlate
Mas feridas perduram pra nunca esquecer
Que nossa raiz é troca de sangue por quilate
Sou filho da hemoglobina do combate
Sou filho da melanina que apanha
Do que perde e ganha
Infelizmente, do que bate.