POESIA DE AREIA

Será que o cão abana o rabo ou o rabo abana o cão?

Será que se abanam pela cauda abanada ou pela suposta mão?

Será que o sábio sabe que sabe ou só sabe o que lhe diz a ilusão?

Será que sabendo-se iludido ilude sua precária razão?

Será que o poeta escreve o que sente

ou só sente quando lhe escrevem as palavras

o que sentem elas diferentemente

do que dizem e falam?

Será que o homem que ama ama a outra parte ou só a si?

Sentindo que ama e é amado finge que sabe muito bem fingir?

Será que temos razão em nossa humana loucura

ou nossa humana razão nos vão da loucura nos procura?

Será que somos completamente bons mesmo sendo maus

ou só somos a bondade maldosa publicada

em letras grandes no jornal?

Será que o ego prefere manter pregado no alto nosso juízo

enquanto a liberdade de escolha procura amenizar o prejuízo

que causa o ego mantendo arrochados todos os pregos

nas mãos de quem a espinha aos poucos vergo?

Será que povoaremos o futuro com nossos vultos esfumaçados

ou seremos aqueles que a neblina engoliu numa noite

em que nos perdemos em mar alto em nossos barcos?

Será que balançamos o berço ou o berço civilizatório nos balança

mesmo sabendo que já deixamos de ser, a muito tempo, crianças?

Será que o que escrevo é para que leia

ou o que jogo em teus olhos é apenas poesia feita de areia?