O TEMPO
Bicho estranho,
muito estranha é a gente,
sempre com a mesma mordida,
o mesmíssimo dente branco canino
cravado no tempo, puxando pro alto,
puxando pro lado, puxando pra baixo,
querendo voltar o tempo perdido!
Mas o tempo não volta,
nem sabe quem grita:
Narciso fecha a janela e sai do espelho,
o tempo que passa na vida do jovem...,
só deixa tristeza na alma da gente!
Eu também não sei,
suponho que seja alguma moça bonita de prótese nos seios,
ou talvez alguém olhando tristonho através da janela,
remendado nas nádegas como lata de zinco,
de garganta furada e aparelho cirúrgico...,
infiltrado na goela,
Também não sei,
quem do escuro pergunta:
Tempo, tempo, tempo, onde cravará agora o teu dente,
no designo do suicida que não enxerga no fundo do túnel resquício de luz, ou na santíssima tíbia esquerda de nosso ingênuo Jesus,
que me parece ainda gritar pregado na cruz;
Eli, Eli, lama sabactâni?
Ah não - diz o tempo: não é mais um grito,
aquele grito foi gritado há muito tempo, ninguém ouviu, já passou.
Naquele tempo havia esperança e sonhos, hoje só tolos diante de espelhos! Agora o grito é só um sussurro, um apelo incrédulo de um oráculo qualquer, uma vela, uma chama torta e coxa, quase apagada, no alto do Gólgata, com a luz pendendo pro canto errado..,
pelo vento que passa!
Bicho estranho,
muito estranho é o tempo, às vezes tristeza,
às vezes esperança,às vezes crianças, às vezes menino,
sempre com a mesmíssima artimanha incendiária de Nero!
Primeiro leva o desesperado Narciso na barca do inferno,
Depois volta anda mais violento e arranca das mãos tremula do velho..., o espelho!
Ah, meus Deus! Quem grita:
Narciso sai do espelho e fecha a janela,
não é a moça bonita com prótese nos seios,
nem o velho na cama com aparelho na goela,
é o tempo, e o silencioso tempo passando depressa,
levando tudo que pode em sua imensa caravela voadora,
lavando as mãos como Pilatos,
com a mesma artimanha...,
incendiária de Nero!