Através das palavras

Eu quero a poesia

Eu quero cada vez mais

A liberdade que me guia.

Quero o delírio de Dionísio

A loucura de Zaratustra

A solidão de Pessoa

A alegria de Poliana.

Eu quero abalar as estruturas da língua.

Quero dançar na chuva cinzenta

Fazer da incansável melancolia

Festa de repente.

Tenho em mim o dom de deus

Posso criar, nomear, dar destino ao que nasceu.

Então sei que posso ser cruel

Deus é cruel

E não lhe foge a responsabilidade de teus filhos ingratos e perversos.

Não quero Deus nem de perto.

Eu quero a palavra

Que dança

Que me balança

E que me enlaça entre o corpo de cada letra

E me embriaga de vida e de tristeza.

Eu almejo a poesia

Pois a luta cansa

As veias entopem

E os caixões descem.

Um dia

Tudo se tornará flores

E cético ou não,

Tudo será mistério

Ou pura imaginação.

Por isso não largo a poesia

Ela me devolve nos dias vazios

Ela me traz de volta os sonhos perdidos

Pois o mundo é um esvaziamento contínuo

E os fantasmas seguem sorrindo

Derramando lágrimas e sangue

Enquanto brindam os maus destinos.

Eu quero a dor prazerosa da beleza viva das palavras

É o que tenho

É tudo o que tenho:

Uma dose de sonho que já não sou

Um resto de folha que se foi

Um desejo que não acaba

Uma busca infinita por mim

Através das palavras.