Evasão do Poeta

Evasão do Poeta

As montanhas, nuas do fogo,

sitiam-me nestes vales de ecos,

onde vida regurgita, gritando,

a esperada renovação.

Da ressecada paisagem,

os viçosos exorbitantes

de verdes matizados, tenazes,

que se opõem à desolação.

Os meus sentidos são invadidos

de cores, de cheiros, de sons...

Meu olhar é tomado de assalto

por cenas em perene turbilhão.

As aves entoam e me seduzem,

no seu trinar, melodias celestes.

Os perfumes anestesiam meu corpo

derreado pela dor e pela perda.

Tudo se manifesta em frenesim,

numa orgia pós-guerra sexual,

onde qualquer afecto ou paixão

desdenha do ilusório amor fútil.

A necessidade de recriar vida

torna as emoções e sentimentos

em recordações saudosistas

de quem não é parte do acto.

Esta ambiguidade atinge-me feroz

porque, por amantes, abraço odaliscas

frias, servis, assexuadas, que almejam

tão só a liberdade e o esquecimento.

Se torneio o ventre sedutor da solidão

logo esta me repele para os beijos,

apaixonados e quentes, da loucura;

a tortura do gelo e fogo é-me inumano.

Ousarei eu, porém, perturbar o seio materno

que força e sacia a explosão vital em redor?

Serão os meus brados de dor e lamentos

fortificados pelo desespero, escutados?

Ou a orgia se porá em fuga desordenada

e logo, indiferente, retoma a sua função?

Quem se importará com o poeta sem musa,

inculto, rude, que não soube jamais amar?

Ninguém decerto! Nenhum ser saberá ler letras

desordenadas em folhas ressequidas pelo tempo

e semi-apagadas pelo espectro da luz

que ensaia, sem guião, este vigor.

Nem a noiva negra esperada, que tarda,

jamais lançará o seu olhar vazio ao inútil

livro abandonado na natureza como lixo...

Ela vem ceifar um corpo e alma desvalidos!

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Poeta sem Alma
Enviado por Poeta sem Alma em 16/06/2016
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