Evasão do Poeta
Evasão do Poeta
As montanhas, nuas do fogo,
sitiam-me nestes vales de ecos,
onde vida regurgita, gritando,
a esperada renovação.
Da ressecada paisagem,
os viçosos exorbitantes
de verdes matizados, tenazes,
que se opõem à desolação.
Os meus sentidos são invadidos
de cores, de cheiros, de sons...
Meu olhar é tomado de assalto
por cenas em perene turbilhão.
As aves entoam e me seduzem,
no seu trinar, melodias celestes.
Os perfumes anestesiam meu corpo
derreado pela dor e pela perda.
Tudo se manifesta em frenesim,
numa orgia pós-guerra sexual,
onde qualquer afecto ou paixão
desdenha do ilusório amor fútil.
A necessidade de recriar vida
torna as emoções e sentimentos
em recordações saudosistas
de quem não é parte do acto.
Esta ambiguidade atinge-me feroz
porque, por amantes, abraço odaliscas
frias, servis, assexuadas, que almejam
tão só a liberdade e o esquecimento.
Se torneio o ventre sedutor da solidão
logo esta me repele para os beijos,
apaixonados e quentes, da loucura;
a tortura do gelo e fogo é-me inumano.
Ousarei eu, porém, perturbar o seio materno
que força e sacia a explosão vital em redor?
Serão os meus brados de dor e lamentos
fortificados pelo desespero, escutados?
Ou a orgia se porá em fuga desordenada
e logo, indiferente, retoma a sua função?
Quem se importará com o poeta sem musa,
inculto, rude, que não soube jamais amar?
Ninguém decerto! Nenhum ser saberá ler letras
desordenadas em folhas ressequidas pelo tempo
e semi-apagadas pelo espectro da luz
que ensaia, sem guião, este vigor.
Nem a noiva negra esperada, que tarda,
jamais lançará o seu olhar vazio ao inútil
livro abandonado na natureza como lixo...
Ela vem ceifar um corpo e alma desvalidos!
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