Desvario do Poeta
Desvario do Poeta
Vagueio pela encosta escarpada
indiferente à tempestade louca
que me cerca pelo mar, céu e terra,
e me encharca, gélida, o meu corpo.
Os céus abrem-se em catadupa,
vertendo cortinas rasgadas de água,
e o vento ruge furioso em protesto
tentando afugentá-las para longe.
A terra nega-se a absorver lágrimas
copiosas e gera-lhe leitos sinuosos
onde escorrem amalgamadas em rias.
O mar enlouquecido brama as dores
das entranhas recortadas pela falésia
e, violento, recomeça um combate
de desgaste, fúria incontida de dor
que me absorve, ensurdecendo-me.
Sento-me nas fragas de equilíbrio frágil,
observando a luta titânica da natureza
em fúria, e mergulho no abismo de mim
evocando memórias e sentimentos idos.
Cada ribombar de trovão é o tambor
que comanda a marcha de cenas trágicas,
os raios iluminam o palco por instantes,
e os fantasmas soltam-se embriagados.
No horizonte do mar de ondas gigantes
vejo vultos de sereias, vogando, ágeis,
que me acenam sinais desconhecidos,
para mim, como as vozes emudecidas.
Mais no alto, voam pelo breu celeste
vultos transparentes que ascendem
e caem velozes em arabescos irisados
formando imaginadas linhas rituais.
Por entre o verde humedecido da terra
surgem ninfas trepadoras da floresta
que me enlaçam de heras sufocantes,
negando-me a ousadia da morte fácil.
Arrastam-me, indefeso, para a gruta fétida
da minha mente em convulsão eminente,
condenando-me ao meu cárcere interior,
mais negro recortado de vermelho infernal.
Neste silêncio, que ecoa o temor de mim,
cerro os olhos na desesperada tentativa
de afastar os medos e as incontidas raivas
que se destilam de cada poro de meu ser.
Neste silêncio, sei da sublimação da musa,
minha companheira de má-sorte, em vida
atribulada pelo meu desespero galopante
de me negar a ser o seu patético poeta.
Leia mais: http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=294224 © Luso-Poemas