Um tempo
Sei que você está sufocada.
Sei que você tem vontade de colocar uma mochila nas costas e ganhar o mundo. Só que para isso é preciso deixar uma mala de sentimentos e obrigações que os outros te impõe e você não sabe dizer não por medo de magoar.
Sei que bate aquela vontade de bater o pé e se impor para ser aquilo que você realmente quer ser.
Sei que te bate aquela vontade de chutar o balde, sair da realidade que talvez não te agrade tanto assim.
Sei que repetir o Salmo 23 não seja tão acalentador como era antes e que tuas preces parecem não ser mais respondidas.
Sei que você quer xingar, falar umas verdades a tanto engasgadas, faltar ao trabalho para ver o pôr-do-sol, desistir da dieta que não dá resultado a meses, deixar de pintar as unhas, terminar aquele livro grosso que há anos não sai da página vinte e tomar aquele remédio que te faça dormir mais do que as oito horas diárias estabelecidas em prol da saúde.
Sei também que nem todos os dias você quer ser legal, mas se força um sorriso, pois se você demonstra tédio ou irritação, os outros já te acusam de estar estressada ou de TPM (você não pode nem querer estar só, que te acham estranha e solitária).
Sei que nem sempre você quer cumprimentar os outros e bater aquele papo descontraído tomando um café com os colegas. Mas ninguém entende.
Sei que você quer um tempo para si, mas a vida não quer te dar esse tempo.
Sei que você quer parar. Dá um tempo dessa correria desenfreada por algo que você nem sabe ao certo que é ou se pretende alcançar.
Sei que você quer chorar na sua cama, abraçada com o travesseiro, até o seu corpo se contorcer em um choro silencioso. Há tanto para chorar e tão poucas lágrimas para sucumbir essa dor que te dilacera antes de dormir.
Sei que você procura um motivo para se levantar todos os dias e o repete como um mantra todo noite antes de dormir.
Sei que você almeja um sentido para a vida que seja coerente com o que você deseja mesmo que não admita em voz alta.
Sei que você está cansada do egoísmo e autoritarismo que a cada dia lhe é imposto para calar a tua frágil voz.
Sei que quem ver você do lado de fora da tua vida te acha esnobe e solitária. Os teus poucos amigos te acham guerreira e gente boa. Mas você sabe quem é de verdade. Eu sei que tu és indomável e apaixonadamente linda, receosa e criança traquina. Tu és sensata e segura de si (tua melhor amiga te definiu assim uma vez). Só que assim tu te privas de viver e isso não é bom, menina.
Sei que você não arde como antes, não sorri mais como uma criança que se lambuza com sorvete, não se apaixona secretamente, não acha graça em nada. És fria como um cubo de gelo.
Calma, você não está enlouquecendo. Ainda não, por enquanto.
Você só precisa de um tempo.
Um café.
Um cobertor.
Uma cadeira no meio do mato.
Um amor.
Bons livros e amigos sinceros.
Flores frescas exalando perfumes coloridos.
Uma música lenta no rádio tocando ao longe, como um sussurro.
Um abraço apertado.
Um cafuné e um beijo demorado.
Um eu te amo rouco.
Um olhar de poesia para a simplicidade da vida.
A percepção de como és rica, mesmo tendo pouco ou quase nada.
Faça o melhor do que você é ou tem hoje.
Não faça promessa para o amanhã que sabes que não poderá cumprir.
Te inspire.
Seja criativa.
Dê para a vida o que você é de verdade.
E vida te devolve felicidade.
É, menina, eu te conheço.
Sou o eu que você só demonstra quando escreve.