Tempo: escorregadio como um peixe.

Mas há exceções: nas cidades pequenas ele não passa correndo.

Ele mesmo sabe que a pressa – que apesar de dar ar de grandeza

Tem como efeito colateral fazer do mundo algo cinzento, quieto:

As paisagens se tornam borrões

Os homens se tornam adversários

As vozes se tornam ecos perdidos no espaço.

Nada é estático

Nada prende o olhar

Nada é alimento para o interesse

Tudo é jogado no colo do futuro

E toda ideia que não possa ser consumida, cobrada ou levantada como um troféu

Acaba virando lixo.

Mas aqui o tempo passa lento, emoliente, quase parando.

Porque quer sentir a luz do sol arrepiar os braços

Porque quer acordar todos, um por um, fazer tocar despertadores

Ouvir o som dos bocejos, dos motores ligando, dos pássaros, do café borbulhando

Porque quer ver cada família crescer e ganhar um novo integrante

E também diminuir e lidar com a perda

Na cidade pequena o tempo passa derretendo

Porque ainda há gente que prefere sentar na beira da calçada ver as crianças saírem da escola

Do que assistir TV

Porque há velhos andando devagarinho por aí escoltados pelas suas sombras

Protegidos debaixo de suas sombrinhas e não há porque apressá-los

Porque ninguém é acelerado o bastante para recusar um café

Porque nos relembram antes de tudo que é necessário viver

Não porque a morte talvez chegue do nada

Mas porque a vida tem todos esses detalhes

E aos poucos deve ser degustada.