SANTO SORRISO
Moro no ponto mais alto de uma linda colina distante de tudo.
Quase tocando no céu. Bem pertinho da lua.
Lá no topo do topo mundo.
Em noite enluarada, de meu cantinho escuro,
fico horas e horas em silêncio olhando as estrelas no céu e ouvindo o vento soprando.
Às vezes sopra tão forte que até parece lobos ferozes, em volta da casa uivando.
Ouço também o encanto do canto de muitos outros bichinhos noturnos.
Os grilos sempre em festa e os Vagalumes em volta voando.
Dá lagoa, onde vejo o encanto do reflexo de prata da lua brilhando,
escuto a sinfonia noturna dos sapos...
que estão sempre alegres e cantando:
“Pegou, não não peguei. Pegou, não não peguei.
Pegou, não não peguei. Pegou...”
Reunidos, fazem um tremendo barulho!
Não sei se estão só festejando, ou por outro motivo cantando,
pois, entre um canto e outro, vão apanhando com a língua comprida,
indefesos bichinhos noturnos, que se embriagam na festa dos grilos
e bem pertinho dos sapos passam voando.
Quando olho o céu e vejo São Jorge, imagino que ele está sempre sorrido. Até parece um vigilante sagrado montando imponente em seu cavalo divino,olhando calado, de lança na mão, o céu estrelado, a beleza do mundo, os planetas distantes e cometa veloz de calda de fogo passando.
Como disse, é um pequeno cantinho distante de tudo.
Há muitas rosas vermelhas e lírios com folhas verdinhas e flores gigantes.
As Damas – da – noite estão sempre floridas e ao entardecer,
a colina toda vai perfumando.
O quintal é todo gramado, cercado de plantas e flores coloridas no muro.
De meu cantinho preferido, vejo muitas outras colinas no horizonte distante.
Enquanto ouço no lago os sapos cantando: “Pegou, não não peguei. Pegou...” vou pensando no sentido da vida e indagando os eternos enigmas do mundo. Deus é realmente o criador ou fruto do desejo humano?.
Instantes depois imagino a ambição desmedida do homem.
Se algum dia ainda ouvirei, ao anoitecer, grilos cantando.
Se existirão vagalumes em volta da festa noturna voando.
Se ainda verei esses risquinhos cintilantes no ar flutuando,
como pequenas fadas no escuro da noite brilhando.
Às vezes fico muito triste...
vejo coisas que São Jorge não vê,
se visse não estaria sempre sorrindo!
Vejo coisas terríveis, capaz de deixa a gente à noite inteira chorando.
Coisa que nunca se esquece e não deveria caber mais nesse mundo.
Vejo cães sarnentos por ruas e becos revirando o lixo e, de fome, como lobos, uivando. Casebres imundos, quase caindo, com paredes rachadas e sem flores coloridas no muro. Vejo crianças magrinhas, no colo da mãe, dia e noite, de fome, sempre chorando.
Acho que elas não ouvem a festa noturna dos grilos, nem veem os vagalumes em volta voando. já não se importam mais com a beleza do céu estrelado, nem com cometa de calda de fogo passando. Não se importam mais se Deus é o criador ou criatura criada pelo desejo humano.
Essas pobres crianças famintas, desprovidas de tudo, não enxergam no céu a lua de prata nem as estrelas no alto brilhando, nem a magia do santo guerreiro olhando calado a beleza do mundo.
Às vezes, imagino que não são crianças,que são cães abandonados em becos imundos, ou quem sabe, apenas pequenos risquinhos de luzes girando sem brilho no escuro noturno, em volta dos sapos famintos, que estão sempre comendo e cantando:
“Pegou, não não peguei. Pegou, não não peguei, Pegou, não não peguei.” Aos pouquinhos esses pobres meninos, no escuro da noite, vão todos sumindo.
Aqui, de meu pequeno cantinho distante de tudo,
onde acordo vendo beija-flores e ouvindo pássaros cantando,
fico imaginado quanto egoísmo, quanta desgraça, quanta miséria...
e sofrimento ainda cabem no mundo.
Fico horas e horas imaginando se São Jorge está realmente com um santo sorriso no rosto ou disfarçando seu sofrimento por tudo, só para não mostrar aos pobres meninos,quanto cruel e injusto é o mundo.
Já não sei se planto mais rosas vermelhas ou arranco as flores coloridas do muro. Se os cães é que choram como crianças,ou as crianças é que estão como os cães sarnentos...de fome uivando.
Talvez seja melhor plantar mais Damas-da-noite, para perfumar um pouquinho a miséria de tudo, enquanto imagino como seria triste esse mundo, sem crianças sorrindo, sem criança brincando. Sem grilos noturnos e vagalumes em volta voando, sem a esperança divina, sem a criação de um Deus pelo homem.
Acho que o mundo seria como um banco vazio. Como uma lua sem santo. Como uma lagoa noturna, sem o reflexo de prata das estrelas no alto brilhando. Acho que o mundo não passaria de um solitário suspiro noturno, em volta do lago, sem sapo cantando. Pegou, não não peguei. Pegou!