Percebo em mim uma idéia que não é...
Adivinho uma obra que não existe
E nem tem porque existir...
Estou como quem vive em retiro
Entre brumas de montanhas, em exílio
E não se recorda de si e nem dos outros.
 
Mas mesmo nestes ermos do não ser
Vislumbro ao meu redor uma sombra vaga
Um vulto, uma desgarrada alma
A exigir-me o poema que embranquece
No conforto exangue do meu não querer...
 
Andamos assombrados
Pelos que morreram e são tantos...
Conta-se que são quatorze mortos para um só vivo
Melhor não seria se todos
Se considerassem mortos e fizessem as pazes?
                               (ou vivos, enfim, quem sabe?)
 
Este terror surdo da transitoriedade
Este saber-se morto enquanto vivo
Ou vivo enquanto morto
É o que nos angustia e espanta
Posto que envelhecemos e nos calamos
Posto que não seremos sempre criança.
 
E o poema branco em papel virgem
Sem que semeada seja a voz do poeta
É o que mais se parece com a vida
                               (ou a desvida).
 
É a obra feita livre
O sideral silêncio do assombro.
 
O poema branco é obra indivisa
É meu, é teu, é de toda alma que pressente
Que a vida não deixa rastros
E nem se vangloria de ser vida.