PAZ
Queria estar no avião que caiu
No carro que bateu
No prédio que tombou
Queria estar no posto que explodiu
Na ponte que cedeu
No barco que afundou.
Queria ser o corpo que sumiu
Ser a criança que a mãe nunca achou
Queria ser o amado que partiu
Ser o infante que alguém abortou.
Queria ser o fruto apodrecido
A árvore morta
A carne putrefata
Queria ser o amor esquecido
E a ave torta
Que queimou na mata.
Queria ser o ferimento aberto
A amputação
E o olho perfurado
A operação que nunca dará certo
E o coração
Que agora está parado.
Queria ser aquele homem bomba
Que explodiu e virou mil pedaços
Queria ser a escuridão, a sombra
E os pés correndo nos vidros, descalços.
Queria ser o mal que me fizeram
E todo choro que engoli em seco
Queria ser os maus que ainda lideram
E a entrada do escuro beco.
Queria ser toda perversidade
Queria ser o toque de maldade
Queria ser o preconceito, o racismo
Queria ser o golpe militar
Queria ser o que te fez chorar
Queria ser a guerra e o nazismo
Queria ser a fome arrasadora
Queria ser a peste matadora
Queria ser a dor e o pessimismo.
Queria ser todo mal que existe
Queria ser o que te deixa triste
Queira ser a origem do mal
Queria ser a ganância, a arrogância
Queria ser a dolorosa distância
Queria ser a doença fatal.
Pois se eu fosse tudo que há de errado
Se todo mal em mim estivesse concentrado
Se eu fosse o carrasco, o Barrabás
Eu faria um grande bem à humanidade
Eu partiria sem deixar saudades
E enfim o mundo viveria em paz.