Desintoxicante
É possível que haja um poema que erra,
No éter sorumbático desse crepúsculo;
Sonhando com assento módico na terra,
um vate qualquer co’a alma em guerra,
o pegue, inda que pela força, pelo músculo...
Mas, poemas trazem a leveza da pluma,
Mesmo diatribes voam em tapete mágico;
Sim, às palavras pesada o talento arruma,
Num encaixe tal, que não resta nenhuma,
Que ostente apenas o semblante trágico...
Todavia, recolhi sem nada minha tarrafa,
a monotonia ora, prende, me tem na palma;
assim, é só mais do mesmo que a gente grafa,
uns, sortudos encontram um gênio na garrafa,
outros, só buscam garrafas, pra tontear a alma...
a inspiração ausente é só a abstinência do vate,
que luta por desintoxicar-se dessa louca ânsia;
forja à força um mosaico, contente com empate,
poeta é um doidivanas que enfrenta o combate,
em trajes de gala, com pompa e circunstância...
Resta fantasiar que é vasto oceano esse mangue,
afinal, o poeta é um criador, que a dor cria, e tem;
nem herói nem bandido, nesse bangue-bangue,
a lua, inspiradora decidiu trajar-se de sangue,
a musa... mexer na ferida verte sangue também...