A Ressurreição da Matéria.
Venho de um tempo muito distante.
Imemoriável a sua cronologia.
Sei sentir o cheiro da alegria e da dor.
Antes de ser o que sou.
Fui milhões de outras coisas.
Serei outros milhões.
Até ao absoluto desaparecimento.
Já fui o escuro e o frio.
O infinito desértico.
Já senti em mim.
A ausência da matéria.
Com efeito, fui à antimatéria.
A revolução química do gelo.
A transformação da água em átomos.
Em uma revolução distante.
A tristeza do jeca.
Já fui à explosão cósmica.
E o brilho do hidrogênio do sol.
O elo da sopa primitiva.
E a ignorância do homo sapiens.
Os trilhões de anos vertiginosos.
Até mesmo a contemplação.
De um céu provisório.
A ideologia da imutabilidade.
Das explosões dos astros.
Já fui tudo, menos o que deveria ser.
E não tenho nenhuma mágoa.
De não ser o meu ser.
Já fui o detrito cósmico.
Da energia de uma estrela.
Senti a distância o isolamento do brilho.
O olhar apático de uma imaginação ilusória.
Sinto hoje alegria de poder correr por um trilho.
Podendo contemplar a periferia galáctica.
De um sol distante.
Porém, próximo ao seu esgotamento.
Sei o quanto tudo isso não significa nada.
A ausência de substancialidade na origem.
Solto perifericamente a uma galáxia insignificante.
A sorte de ter tido a vida.
Entre trinta milhões de espécies.
Sou produto da única que fala.
Que pensa e articula a mentira.
Como propósito da verdade.
Tenho noção do que é o infinitólogo.
E de sua complexidade.
Sei que estamos sós em nosso sistema solar.
Mas que existem continuamente.
Trilhões de outros sistemas.
E que o infinito é interminavelmente contínuo.
Quanto ao meu ser.
Sou uma repetição complexa e infindável.
Das origens primevas.
Que estar aqui no silêncio dos mistérios.
Não significa nada mais que a minha ausência.
No entanto, a memória.
Tão significativamente pequena.
O meu ser a mais profunda fantasia.
Sendo a realidade apenas um foco.
Desconcentrado e precário.
Uma passagem obscura.
Fadada ao absoluto esquecimento.
Um mundo sem alma.
Dominando por ideologias irracionais.
Com a objetividade de criar a dominação.
O Sapiens criou o Estado.
Dando legitimidade a riqueza.
Como produto do roubo.
Sendo ladrões os pobres.
Estabeleceu a democracia.
Institucionalizou a escravidão.
Em forma do imaginário libertário.
Criando milhões de marginais.
Sem força política, envenenados.
Com as mesmas ideias dos vencedores.
Esse é o mundo de átomos quânticos.
Dissolvidos na perda da energia de hidrogênio.
Rumo à destinação da antimatéria.
Na permanente reconstrução das destruições.
Edjar Dias de Vasconcelos.