Querido diário,

Se andei pelas tardes sem tempo,

ou se o tempo me vinha a andar sobre mim,

juro que não me lembro.

Sei que alguns anos me causaram planos;

outros, foram apenas anos.

Poucos eu me lembro a ponto de me ver passar.

Das pessoas e dos sonhos, lembro bem:

das mãos amarradas às minhas;

dos olhos encostados nos meus;

dos dias contados às noites;

das pontas dos dedos do adeus.

E dos cantos, sei de cor;

andei pelas margens,

deixei flores às paisagens.

Diziam que eu tinha medo do mar

(como se navegar fosse preciso).

Pegadas me surgiam aos montes,

assim como o tempo.

Hoje me basta o reflexo da lua por detrás de uma nuvem;

me agrada o canto das gaiolas vazias,

o riso das mães acordadas,

a lágrima por detrás de cada sinfonia.

Eu me lembro diferente das mesmas manhãs,

e pode ser que eu ainda tenha medo do mar.

Talvez um dia passe.

Talvez um dia não.

Pra quem tem medo de vida,

o rio tem gosto de sal.