Raio de sol
Hoje despertou-me um raio de sol por entre as folhas da amoreira.
Um raio de luz menina, mansamente desvirginando a manhã dos meus olhos que, pulsantes e indefesos se abriam a encherem-se da luz num gozo irradiante.
Consciência paulatinamente acordando, trazendo-me a mim dos sonhos que não lembro.
Meu corpo, numa convulsivante agonia se estica e remói, se vira e revira num tremor do espreguiçar que não consome, mas alimenta.
Por um momento, a cor da luz pincela a parede de um laranja frio, intenso, avermelhado.
Não desejo pensar, nada concluir a não ser admirar e esperar por um próximo momento que não conheço.
Anseio a vida, a lembrança do que ainda não concluo, momentos iniciais do dia que se vem.
Passo em segundos uma vida inteira na lembrança.
Mergulho no ser que me abriga, consciência vã, desatinada.
Pereço no intervalo de um piscar para renascer no momento seguinte, atônito, descortinado.
Um brinde ao dia num soluço. Um brinde à cor no admirar dos tons que passeiam na parede.
Talvez viva ainda mais. Talvez me perdoe a inconstância e arrependimento dos equívocos dominados.
Nada importa senão viver, perceber num instante da luz a vez da realidade que se nos apodera.
Por vezes oprime, por vezes canta, mas certamente carrega tudo o que sou.
Espero cantar mais que ser oprimido.