Mamãe Hoje 

Por Carlos Sena 
 
Hoje,
a memória de mamãe se perde
noite adentro: palavra, palavrão, unguento. 
Ariada, pergunta-se "onde estou"?
e poucos lhe respondem.
Hoje,
os passos de mamãe não a levam
à feira, nem ao comércio.
Conformada, conta asneiras das lojas
de um e noventa e nove: 
poucos a escutam, quem se move? 
Hoje,
Mamãe se lembra da igreja, 
verseja a oração Magnífica. Gagueja.
Contrita, lembra de Frei Leão e se esforça
por lembrar Irmã Celina: em vão. 
A memória ordena esquecer.
Hoje, 
filhos distantes e filhos mais de perto,
disfarce
que na distância esconde o beijo doce na face...
Hoje,
a boca que se despe 
pelo sangue com diabetes...
Paladar minguado pelo tédio, 
três pela manhã, dois ao meio dia,
três à noite: remédio! 
Hoje, 
Saudade do filho escondido nos afazeres:
falta tempo para o amor - esse é o estribilho.
Hoje
a pele estrelada,
a vista curta para longa estrada.
O rosto sulcado, o cabelo ralo à espera
de afeto. O teto da vida no limiar:
o ar da graça da gruta de Lourdes
sem pão nem patena
nove filhos em novena 
nas margens da vida do rio Sena...
 
Por carlos Sena