Fantasmas De Guerra
O passado atormenta-me
Deixa-me acordado todas as noites
Assombrações
Fantasmas de guerra
Não consigo aguentar muito mais
Não fui preparado para isto
Na escola não nos preparam para isto
As lágrimas escorrem-me pelo rosto
Ao olhar para a lápide
Daquele que morreu
Para cumprir a promessa
De que eu retornaria, são e salvo
No tempo da minha juventude
Da minha inocência
Aquele era o nosso dever
Aquilo era o certo a ser feito
Mal nós sabíamos
O que nos esperava
Lembro-me como se fosse hoje:
“Um homem morre
O outro toma o seu lugar”
Comecei a transpirar
Apertei o terço contra o peito
Era aquilo que me restava
As balas trespassavam o corpo daqueles rapazes
Que como eu
Tinham alguém a esperá-los em casa
Para que regressassem são e salvos
Estava frio e eu tremia
De medo
Pensava na minha família
E isso fazia-me continuar
Uma bala
Colocava-me entre a vida e a morte
O rio já não era azul
Já não era água
Era sangue que corria espesso
E desaguaria no mar
Com vergonha por levar a dor consigo
Corpos jaziam no chão
O barulho era perturbador
Gritos de dor
Gritos de ódio
A fúria das balas
E aquele rapaz junto a mim
Com as tripas de fora
Mas ainda vivo
O médico dizia:
“Está tudo bem”
Mas no fundo ele sabia
Que já nunca mais
Voltaria a sorrir
E esse rapaz, que jaze mesmo aqui
Foi morto a sangue frio
Enquanto eu me escondia
Matou aqueles que me iriam matar
Mas quando vinha ao meu encontro
Fui baleado no peito
E eu nunca lhe agradeci
Por morrer
Para salvar um desconhecido
Hoje, quarenta anos depois
Vinha te dizer
Que a tua filha cresceu
Vive feliz com o marido
E os seus dois filhos
E a tua mulher
Mantém o teu rosto
Ao lado dela
E beija-o todos os dias
Antes de deitar
E eu tornei-me um homem feliz
Um pai de família e um marido
E dedico a minha vida
A ti
E agradeço-te por teres-me deixado
Viver muitos anos.