O não-eu
Admito, não sei o que sou
Mas sei o que não sou
Só que isso não admito
Nem para mim nem para ti nem para ninguém
Porém a noite, as conversas noturnas e outras coisas a mais,
Coisas lindas e efêmeras,
Convenceram-me a refletir sobre o não-eu
E faço essa inflexão, reflexão, contemplação ou excreção
Em forma de poesia
Dessas sem rima, métrica e outros nomes que não lembro agora porque estou fora de si demais para lembrar
Não sou amante
Não sou artista
Não sou poeta, não sou caminhoneiro
Não sou carteiro, não sou rapariga à janela (uma janela oitocentista, numa casa reformada, é claro)
Não sou Deus... eu acho
Não sou belo, sincero, forte, aprazível
Não sei amar, não sei rimar, não sei viver
Não sou eu, meu Deus, não sou eu!!!
E eu não seria eu nem que me colocassem uma arma engatilhada na cabeça!
Porque mesmo sem ter certeza, acho que sou descolorido demais pra querer ser alguém
Certeza, porém, não tenho
Não sou nenhum juiz, meu julgamento não é dos melhores
Não sou farto nem firme nem nunca serei
Não sou a onda que bate forte na tua cabeça desavisada, banhista débil!
Não sou o sol que queima tua pele rosada
Nem a chuva que molhou a tua certeza
Não faço amor nem guerra nem nada
Não vivo e só por capricho também não morro
Parei numa esquina qualquer a pensar sobre o que não sou
E acho que não sou tudo
Tudo nesse mundão de meu Deus
E fiquei naquela esquina qualquer esquecido por tu, por Deus e por mim mesmo
Nunca voltei pra me buscar
Nunca voltei pra refletir o que eu realmente era
Não sou, por fim, quem alguém um dia quis que eu fosse
(mas eu queria muito tê-lo sido)
Mas aí eu teria que fazer uma lista do que eu queria ter sido
E viria a ideia de outro poema não-poema como esse
Com essa lista interminável que terminou
E não disse nada
Porque nada é o que... talvez... muito provavelmente talvez... eu sou.